Sobre a importância de ser escutado
A semana passada foi exaustiva. Passei os dias a perseguir e matar três leões em uma corrida interminável pelas savanas desertas e áridas da existência, enquanto à noite eu permanecia em claro traçando estratégias para as caçadas do dia seguinte. Um dos leões que tombou por terra foi o leão da Receita Federal, se é que você me entende. Quanto exagero, não é mesmo? De todo modo, quando sábado chegou, embora a listinha interminável de pendências da semana ainda não tivesse terminado, eu já me sentia acabada. Propus então a minha mãe, a quem, em teoria, pertencia a minha tarde de sábado, que fosse junto comigo e a Suki ao veterinário.
Quem nos recebeu na clínica foi uma jovem que aproveitava a tarde de pouco movimento para limpar a clínica, enquanto resmungava da sujeira “que estes cachorros fazem”. Quando a veterinária finalmente voltou do almoço, reparei que ela também não parecia muito animada em nos ver. Bastou olhar para ela por um segundo para que eu compreendesse que ela também havia passado a semana a perseguir leões. Vinha exausta.
Poucos minutos mais tarde, sentada em frente à veterinária, eu enunciava a minha lista bem decorada de reclamações sobre a saúde de minha cachorra: as coceiras, as tosses e vômitos esporádicos, os fungos nas patas, os gases e um jeitinho ruminante que não combinava com a espécie. Eu tinha até mesmo um filmezinho para ilustrar este último. Enquanto ela escrevia diligente minhas reclamações uma a uma no prontuário, eu observava seus cachos de cabelo grisalhos em desalinho, seu ar cansado e um certo ar de tédio, de quem está acostumada a escutar reclamações estapafúrdias. De repente, algo chamou sua atenção no meu relato, e ela exclamou divertida “Vocês têm a guarda compartilhada da Suki!”. O caso não era este, mas ela finalmente tirava algum sentido da minha lista de lamúrias e resolvia recomeçar do zero o prontuário, agora colocando alguma ordem e relação entre os sintomas.
Enquanto observava aflorar no rosto da veterinária o prazer de um trabalho bem-feito, tirando ela do seu estado de apatia, eu me dava conta de que finalmente havia encontrado uma boa veterinária para minha cachorra. Após nos explicar todas as possíveis causas dos sintomas que vínhamos relatando e as estratégias que ela iria adotar dali por diante, ela se recostou na cadeira com olhar sonhador e começou a nos contar histórias da sua infância. Não sei como chegamos a esse ponto, mas em pouco tempo eu gargalhava escutando seus relatos, e minha mãe participava da conversa com ar divertido e atento. Já lastimava o fato de não poder gravar nossa conversa para usá-la como inspiração para escrever um conto mais tarde. Eu seria incapaz de reconstituir o relato do instante em que ela, aos doze anos, ligava pela primeira vez a moto do seu pai com um grampo de cabelo e repetia a sequência de gestos necessários para colocar a moto em movimento, gestos que ela já havia observado seu pai fazer inúmeras vezes. E, em seguida, convidava sua amiga pelo interfone para passear pelas ruas do bairro, abanando orgulhosa para os guardas municipais e vizinhos que, boquiabertos, admiravam a cena.
Todos nós já ouvimos falar da importância de ter por perto alguém que nos escute. Quando a gente reconta um momento do passado, revive em certo grau os prazeres e as dores vividos naquele lapso de tempo. Quando eu e minha mãe saímos do consultório veterinário, me dei conta de que naquele período de uma hora e meia em que tínhamos ficado ali, não apenas minha cachorra tinha sido atendida, mas também a veterinária tinha se sentido reenergizada ao recontar as memórias de sua infância e agora se preparava para encerrar a semana exaustiva de trabalho e voltar para casa.
Infelizmente, embora a maior parte de nós adore ser escutada com atenção, nem todos tem paciência para escutar as histórias alheias. Principalmente quando o que o outro tem para contar são lamúrias. Neste caso, cada ouvinte desenvolve suas próprias técnicas para lidar com esta situação: desde tornar evidente ao seu interlocutor que você não tem interesse em continuar escutando as suas reclamações, até direcionar sua total atenção para a Teoria das Cordas ou outro mistério da física quântica enquanto seu companheiro continua a desfiar seu rosário de lamúrias. Eu tinha um gerente, surdo de um ouvido, que se orgulhava de ter desenvolvido a técnica perfeita para estas situações. À noite, quando ele e sua esposa se deitavam para dormir, sua esposa tinha o mau hábito de começar a se lamentar sobre todo e qualquer problema até finalmente apagar a luz e dormir como um anjo, enquanto ele ficava rolando na cama insone por horas a fio, atormentado pelos problemas dela. Esta rotina se repetiu até o dia em que ele descobriu que, se deitasse com o ouvido bom colado ao travesseiro, ele se tornaria imune à sessão de lamúrias e dormiria em paz.
Cada um sabe como lidar com seus próprios limites e do tipo de relação que deseja para si, mas o que eu desejo para você é que tenha um bom ouvinte ao seu lado. Boa semana!
Voltar