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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Simples como um sonho de adolescência

desenho a lapis de uma garota dormindo. Ao fundo voam borboletas, insetos e pássaros. Sobre os desenhos aparecem os lápis de cor

 

 Hoje acordei tomada de uma sensação estranha, como se flutuasse em um mundo de gravidade nula, cheio de silêncio e paz. Cheia de curiosidade, examinei meu entorno como quem avista um novo mundo pela primeira vez. Rolei para um lado da cama, rolei para o outro, sem coragem de quebrar este encanto. Afinal tomei coragem, e fui espiar de mansinho se havia algo de diferente nas outras peças da casa. Aparentemente tudo estava igual, mesmo assim havia um encanto no ar.

 Enquanto tomava o café da manhã, abri as redes sociais para saber o que havia de novo. Ao invés das habituais propagandas e fotos de férias e festas de amigos, desta vez eu fui agraciada com uma infinidade de posts com imagens belíssimas do Japão, com detalhes de pinturas em aquarelas e tinta a óleo, filmes sobre a confecção de mandarinas recheadas com folhas de chá preto para a cerimônia do chá... O universo parecia conspirar para que a sensação de encantamento de mais cedo perdurasse.

 Terminado o café, sentindo a consciência pesada por perder tanto tempo imersa nos devaneios alheios, resolvi ligar o computador e, como faço todas as manhãs, dar uma olhada no Google Analytics. “Droga”, comentei em voz alta, enquanto fechava a tela do laptop com um movimento brusco. “O que foi?”, perguntou o Tan, se detendo na porta do escritório. “O meu número de leitores não cresce, não importa o que eu faça”. “Relaxa, mulher, tu gastas muita energia nesse blog. Tanto esforço só faz aborrecer o leitor. A pessoa se sente obrigada a gostar. As pessoas preferem aquilo que parece ter nascido pronto, de súbito, que não foi fruto de paixão ou transpiração”.

 Como eu tenho dificuldade de acreditar em algo que não tenha sido gerado pelo meu raciocínio, mesmo que tosco, guardei as observações do Tan em um cantinho do meu cérebro e voltei para as redes sociais, para ver se recuperava o meu bom humor da manhã. Logo em um dos primeiros posts, me deparei com uma frase de Carpinejar, de quem gosto muito: ‘Ficar esperando por grandes acontecimentos, é ver a vida passar. A alegria é feita dos detalhes’. Pois não é que era verdade aquilo que o Tan tinha dito? Ali, escrito em um pedaço de guardanapo de papel, como filosofia de botequim, estava a prova.

 Carpinejar, filho de dois grandes poetas, ele mesmo um escritor de sucesso, além de radialista experiente, todo dia torce e retorce sua alma e sua psique submetida a décadas de psicanálise para gerar frases simples, porém profundas, que se tornaram uma febre nas redes sociais. Esta suposta simplicidade, que se coloca ao alcance da compreensão de qualquer um, não tem nada de simples. Carpinejar é um mestre da forma, e do conteúdo.

 Embora a lição tivesse sido devidamente compreendida, na hora de passar para a prática, eu não soube o que fazer. Me faltam o traquejo na escrita e as habilidades sociais. Resolvi então focar minha atenção na criação da ilustração do dia. “Isto eu sei como fazer com um ar de simplicidade. Vou criá-la com a cara dos meus desenhos de antigamente. O que saiu disto, alguns minutos mais tarde, foi um sonho de adolescência, desta adolescência que insiste em não sair de dentro de mim, embora o meu corpo grite que ela já passou faz tempo, muuuuito tempo.

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Tags: encantamentosimplicidadecarpinejarfruto da inspiração

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