Raio de Sol no Marais
Essa noite eu tive pesadelo com os defuntos das catacumbas. Tive de tomar chazinho para voltar à dormir, pois nem pai-nosso e ave-maria foram suficientes para me tranquilizar. Eu sou impressionável! Não é uma vergonha?Embora ontem eu só tenha te contado sobre o meu passeio às catacumbas, eu também tinha feito um programinha light. Ao visitar a igreja de Saint-Paul e Saint-Louis, no Marais, eu descobri que dali a cinco minutos começaria um concerto gratuito de órgão. Sentei para esperar, é claro, e logo a seguir apareceu o concertista. Que logo desapareceu novamente. Encoberto pelo órgão, dele não se viam nem as costas! Eu pude então compreender porque estávamos todos sentados de frente para o altar e não virados para o órgão. Um que outro rebelde tinha girado em vão a sua cadeirinha.
O músico começou com uma exibição de virtuosismo, tocando o que mais parecia a composição de um artrítico. Uns sons curtos e secos se atravessavam fora do compasso; aquilo que se ouvia nada tinha a ver com a magia de um concerto para órgão. E olha que disso eu entendo, pois, quando era pequena, eu matava aula para sentar no fundo da igreja e assistir o padre Pinto tocar o órgão. Não pense besteira, era uma maravilha!
Aborrecida com aquela cacofonia, passei a examinar atentamente o teto cinza escuro da igreja, as volutas empoeiradas que sustentavam a abóbada e a passagem criminosa de cabos elétricos no fundo do altar. De repente, porém, a nave central começou a se encher de uma luminosidade densa e amarela e cada um dos lustres de cristal acima do altar se transmutou numa explosão de luz e cor: era enfim um concerto de Bach que se ouvia, e o sol da tarde atravessava os vitrais da igreja para vir render homenagem ao compositor.
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