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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Por onde andará Tereza?

mulher loura segura uma bandeja com vários copos de caldinho de feijão em pleno Sambódromo durante um desfile de carnaval

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Era o ano de 1997 e quase ninguém que eu conhecia tinha um telefone celular. Mas Tereza se pavoneava de um lado para o outro segurando o seu Motorola Dynatac, que mais parecia um tijolo com antena. Ali, de pé, nas areias de Copacabana, ela falava com o seu chefe em alto e bom som. O assunto era de trabalho. Os demais conhecidos, sentados em cadeiras de praia ao seu redor, seguiam atentos a conversa. Que trabalho tão importante seria aquele para ocupar seu tempo mesmo fora do expediente? Ela, que estava rodeada de seus novos amigos, todos eles engenheiros da Petrobras, exultava com toda aquela atenção. Mas como a bateria do aparelho durava muito pouco naquela época, ela foi ficando nervosa à medida que a ligação se estendia, pois ela contava com receber a ligação de um paquera mais tarde. Ao desligar o telefone, ela se estendeu em lamúrias sobre a chatice que era ter um chefe inconveniente, que insistia em falar de trabalho em um sábado ensolarado como aquele. Isso era raro naqueles tempos, em que fim de semana era coisa sagrada.

 Tereza dizia trabalhar em uma firma de importação. O que ela fazia lá, ninguém sabia. Nós havíamos nos conhecido há pouco tempo, mas ela logo havia se integrado ao grupo, principalmente à ala masculina. Ela era muito falante e engraçada, tinha corpo escultural e não possuía limites. Embora o grupo fosse formado por casais, ela desfilava desinibida, com seus pelos descoloridos e seu biquini minúsculo enfiado na bunda. Por qualquer motivo, se agachava, e se dobrava, levando a sua nova torcida quase ao êxtase.

 Certa vez cheguei atrasada à praia. Após dar dois beijinhos em cada um dos meus amigos perguntei se meu namorado já havia chegado. Os rapazes subitamente ficaram mudos, enquanto as garotas apontaram prontamente para a beira do mar. Lá, estendida sobre a praia, estava Tereza, enquanto meu namorado, agachado ao seu lado, ia espalhando sobre o seu corpo punhados de areia, que ele em seguida alisava com zelo. Brincadeira inocente, disse ele, se fazendo de bobo.

 Um mês mais tarde, eu vim a ter notícias de Tereza. Quem me contou as novidades foi meu ex-namorado, que apareceu lá em casa, pedindo para voltar. Tereza, me dizia ele, agora estava apaixonada por Luis Felipe, o novo divorciado do pedaço. Boa pinta, bem-sucedido e muito bem-educado, Luis Felipe fazia sucesso com as mulheres. Tereza tentou de tudo para conquistá-lo. Até mesmo gastou uma pequena fortuna no cabeleireiro para fazer interlace, quando descobriu que Luis Felipe gostava de mulheres de cabelos longos. Desiludida e R$2 mil mais pobre, ela acabou descobrindo que para conquistá-lo não bastava ser uma mulher de corpo bonito e ter personalidade esfuziante. Ele dizia querer uma namorada séria, para casar.

 Quando dois meses mais tarde fevereiro chegou, ela já havia se transfigurado em mulher de negócios. Ela agora era uma mulher séria que tinha resolvido ganhar um dinheiro extra com um negócio sazonal. Ela tinha tido a ideia de vender caldinho de feijão para o público do desfile das escolas de samba no Sambódromo. Quem já foi assistir ao desfile no Sambódromo, sabe que aquilo equivale a correr uma maratona. Lá pelas tantas, todo o público está cansado e faminto. Nada como um caldinho quente para reanimar. A ideia de botar um grupo de vendedores ambulantes circulando entre o público para vender caldinho de feijão era genial!

 Durante várias manhãs de sábado ela nos entreteve contando detalhes da sua futura empreitada: o número de vendedores que seriam empregados, a margem de lucro do negócio, os tamanhos e o preço dos copos de isopor, a receita do caldinho, e como fazer para que o caldinho chegasse ainda quente às mãos do consumidor. Todos nós estávamos admirados da capacidade empresarial de Tereza. Quando o sábado de carnaval afinal chegou, ela nos falou dos desafios de última hora e de como ela se preocupava em não dar conta de tudo logo mais tarde. 

 Naquele domingo de Carnaval nos reunimos à tardinha para tomar um banho na Cachoeira dos Primatas, no Jardim Botânico. Quando eu e meu namorado chegamos à rua Sara Vilela, a conversa já ia animada. Enquanto aguardávamos os demais chegarem para iniciar a caminhada pela trilha que leva até a cachoeira, o Edinho nos contou às gargalhadas o que tinha acontecido na noite anterior. Ele e sua namorada tinham resolvido de última hora ir ao baile do Copacabana Palace, onde fizeram uma descoberta incrível. 

 Ao entrarem no salão do hotel, Edinho e sua namorada avistaram Tereza, vestida apenas com um biquini minúsculo de paetê e uma tiara de plumas na cabeça. Ela ia abraçada a um coroa careca e barrigudo, que depois eles haviam descoberto ser seu chefe. Pouco mais tarde, quando viram Tereza novamente, ela já estava com seu rosto coberto por uma máscara. Decerto havia reparado na presença dos dois em meio à multidão e decidira se disfarçar. Toda aquela história do caldinho de feijão, eles haviam se dado conta, era pura invencionice para impressionar Luis Felipe.

 Pouco tempo depois, veio o golpe de misericórdia. Desta vez quem nos contou a história foi o próprio Luis Felipe. Este, quando se divorciou, tinha voltado a morar na casa de dona Gloria, sua mãe. E foi o número do telefone da casa dela que ele deu à Tereza em um dia em que estava distraído e esta lhe pediu um número para ligar em caso de urgência. Pouco tempo depois descobriu que sua mãe, carente de atenção por natureza, havia se afeiçoado a Tereza, que seguido ligava para fofocar e escutar sobre suas mazelas. 

 Duas semanas após o evento do caldinho de feijão, Luis Felipe chegou um dia em casa sem avisar e encontrou Tereza e sua mãe sentadas em sua cama. Sobre a cama dele, elas haviam colocado algumas de suas cuecas formando um círculo, no centro do qual havia fotos e um conjunto de roupas íntimas de Tereza. Elas faziam um feitiço, na esperança de que Luis Felipe enfim se apaixonasse.

 Um ano mais tarde, Luis Felipe se casava com toda a pompa e circunstância. Lídia, sua nova esposa, era uma mulher doce e tímida que rapidamente se integrou no grupo. Apenas a mãe dele levou algum tempo a aceitá-la, afinal de contas ninguém lhe dava tanta atenção quanto Tereza. Desta, porém, eu nunca mais ouvi falar, mas até hoje me lembro dela toda vez que tomo caldinho de feijão.

 

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Tags: caldinho de feijãosambódromocarnavalseducaofeitiçaria

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