Ó de penacho
I: Ih, olha esta foto, Nair! Como é mesmo o nome desta daqui?
N: Nossa, esta foto tem mais de 60 anos! Foi durante a minha viagem de lua-de-mel ao Rio de Janeiro. Essa é a Mani, a terceira esposa do nosso tio. Naquela época o tio Peter e ela estavam casados a pouco tempo. Quando a gente chegou lá, eles nos levaram para conhecer vários lugares, inclusive a casa deles em Itaipava. O lugar desta foto fica no caminho para a casa deles.
O tio tinha 51 anos e ela era mais moça, devia estar na casa dos 40 anos. Era uma morena jambo, do corpo bem-feito, que falava inglês fluentemente e era muito viajada. Parece que era viúva de um oficial da marinha, e recebia uma gorda pensão. Ela já estava muito bem de vida quando conheceu o tio.
I: A história de que eu me lembro era meio diferente. Diziam que o falecido marido era um homem super ciumento e controlador, que mal deixava ela sair para trabalhar. Ela era secretária na marinha, onde recebia um bom salário.
Eu me lembro dela vestida com um terninho de camurça, chiquérrimo. Aquele tecido deve ter custado uma fortuna... mas dizem que ela utilizou um corte da camurça comprado pela marinha para ser usada na fabricação dos emblemas. A camurça era bordada e depois presa aos quepes e aos uniformes dos oficiais. Quando ela vestia aquele terninho, ela parecia uma manequim, de tão bonita que ficava.
Ela, aliás, vivia nos trinques: cabelo feito, unha pintada, ia no massagista, na costureira... Não sei como ela tinha tempo para tudo isso trabalhando fora. O pessoal da família falava que ela era conhecida lá na Marinha como Maria Candelária. Lembra daquela marchinha de Carnaval?
Maria Candelária
É alta funcionária
Saltou de paraquedas
Caiu na letra O, oh, oh, oh, oh
A uma vai ao dentista
Às duas vai ao café
Às três vai à modista
Às quatro assina o ponto e dá no pé
N: Deixa de ser maldosa, Iraci. As pessoas fazem fofoca de qualquer mulher que seja bonita e dona do próprio nariz, ainda mais naquela época! Além disso ela não fazia o tipo família, o que provocava ainda mais desconfiança. Mesmo com a gente, com quem ela encontrava diariamente durante a nossa lua-de-mel, ela era distante, não se envolvia. Mas ela e noso tio se davam muito bem, se respeitavam e eram bons companheiros.
I: Ela realmente não era nada simpática. Quando olhava para a gente, parecia dizer “Não quero intimidade contigo!”. A tia Inês disse que, quando o tio a apresentou para o resto da família lá no Rio, o pessoal logo apelidou ela de Ó-de-penacho, e profetizou que aquele casamento iria durar pouco.
N: De onde saiu esse apelido?
I: Isso era gíria do funcionalismo público brasileiro. Era o nome que davam para os funcionários que atingiam o topo da carreira e ganhavam salários altos. Naquela época tinha até mesmo uma musiquinha cantada pela Linda Batista:
“Aquela mulher agora quer te fazer capacho. Quem é que pode aguentar mulher com ó de penacho”
N: Ih, não tinha nada disso. Ela fazia o tipo de mulher que conquistou a própria independência e queria aproveitar a vida. Eles saíam quase toda a noite para jantar fora e dançar, ir ao teatro, ou encontrar os amigos no clube Piraquê. Esse tipo meio descompromissado como o dela, era o tipo de mulher que o tio passou a buscar depois que ficou viúvo da primeira esposa. Acho que depois de tanto sofrimento, ele queria uma vida mais leve, sem tantas amarras.
I: E porque o casamento deles durou tão pouco, se eles se entendiam tanto?
N: Acho que o casamento só funcionou enquanto tudo estava bem. Quando o filho mais velho dele morreu, ele entrou em depressão e se desinteressou de tudo. Até a fábrica que ele tinha acabou quebrando. Quando ele viu que isso ia acontecer, ele passou todos os bens para o nome dela.
Com todos esses problemas, a vida social deles minguou. A leveza e a diversão, que eram tão importantes para os dois, desapareceram. Depois de um tempo, ela foi embora e levou com ela todos os bens que ele tinha. Ele nem pareceu se chatear, acho que até deu Graças a Deus por tudo ter acabado sem drama.
Coitado do tio, ele nunca deu sorte com as mulheres. Mas essa ao menos foi gentil com ele. No dia do enterro dele, ela mandou uma coroa imensa onde estava escrito “Da sua amiga Mani”.
I: Amiga da Onça...
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