O Albatroz
Uma caminhada pela praia durante a baixa estação leva à divagações sobre a importância de estar atento aos sinais para saber quando é chegada a hora de mudar o rumo de nossas vidas.
Nesta manhã desci a ladeira onde fica a casa em que estou hospedada com as mãos enfiadas nos bolsos, tiritando de frio. “Onde está o calor que a previsão meteorológica havia prometido para esta semana?”, me perguntei. Mais cedo eu havia tido dificuldade de encontrar em minha mala cheias de biquinis, kangas e outros apetrechos de praia algo que me abrigasse do frio que se abatera sobre o litoral.
Mesmo em dias frios como esse, a praia tem o seu charme. Os turistas desaparecem, os restaurantes fecham devido ao pouco movimento, restando apenas os pescadores e os operários, que se ocupam de preparar as casas de veraneio para a chegada do verão. Hoje sinto como se toda essa imensidão de céu e mar me pertencesse.
Me agasalhei como pude e saí a caminhar pelas ruas do balneário. Nada como gastar as solas do sapato para conhecer um local! Entrei e saí das poucas lojinhas abertas na rua principal, usufruindo da atenção dos vendedores, que entediados com o movimento fraco, se esforçavam por descobrir um assunto de interesse mútuo, e com isso ter companhia para matar o tempo.
Desci a rua do comércio, caminhando em direção ao mar e então segui pela praia, espiando através das vidraças embaçadas pela maresia o interior das casinhas que um dia foram o lar humilde dos pescadores. Algumas agora abrigam galerias de arte e antiquários. Em alguns locais, o espaço entre as casas é ocupado por uma garagem de barco, onde as ondas do mar hoje avançam tranquilas, sem perturbar nem mesmos as gaivotas que por ali passeiam. Me perco imaginando aquele mesmo cenário em uma noite de tempestade, com as ondas batendo selvagens contra as paredes das casas voltadas para o mar. Um arrepio de frio me tira deste devaneio.
No fim da praia, lá onde o caminho sobe uma encosta em direção à igrejinha do vilarejo, me detenho um instante para observar os pescadores que desembarcam de suas canoas carregando o produto da sua pesca. Enquanto os empregados dos restaurantes e os turistas aguardam que eles limpem as entranhas e escamas dos peixes, os pássaros e gatos esperam pacientes a sua vez de serem atendidos. Hoje, porém a pesca foi magra e os poucos restos que são jogados ao chão são disputados ao som de grasnidos exaltados.
Ao lado da igreja matriz, ponto de encontro dos crentes e dos interessados em arte sacra, há uma lojinha de quinquilharias onde os seus companheiros infiéis aguardam pacientemente. Quando entro, o calor que emana deste ambiente protegido do vento me envolve feito um cobertor. A sensação de bem-estar que se espalha pelo meu corpo chega às mãos, que abandonam os bolsos e, curiosas mexem e remexem cada objeto ali exposto sob o olhar atento do proprietário. Reparo no homem de meia-idade, com cabelos desgrenhados e um suéter de lã de cor indefinida. Ali, imóvel atrás do balcão, cercado por conchas, miniaturas de barcos e de faróis, e ímãs de geladeira, ele parece fazer parte do cenário. Recebo um sorriso encorajador e retomo a inspeção da lojinha.
Meu olhar repousa sobre uma cruz revestida por um arranjo intrincado de conchinhas muito brancas. Pergunto ao proprietário se o artesão é da região. Ele me diz que sim, mas que hoje desconhece o seu paradeiro. A cruz ficou para trás, à espera de que apareça um comprador, mas estes já não se interessam mais por cruzes a muito tempo. Hoje eles preferem os espelhos e as guirlandas de Natal, expostas no espaço de honra junto à entrada da loja.
Na saída, cruzo novamente com o vendedor, que parado junto à porta, observa o mar com ar desolado.
- Você está vendo o albatroz pousado na superfície do mar, próximo ao bando de gaivotas? Ele está lá desde cedo – ele me diz angustiado.
Acompanho a direção do seu olhar e vejo uma ave de penas mais escuras do que as outras, que flutua solitária ao sabor das ondas, a poucos metros da praia.
- Qual é o problema dela? Pergunto.
- Os albatrozes não foram feitos para ficar longo tempo pousados no mar. Eles têm patas pequenas em relação ao tamanho do corpo, dificultando as manobras na água. Além disso eles perdem o seu calor para a água. Mas em dias de calmaria, como hoje, eles não conseguem alçar voo novamente e ficam retidos no mar, à mercê dos predadores. Para decolar é preciso que haja correntes de vento ascendente.
- Porque ele não nada até a praia, onde ele poderia correr na areia até ganhar velocidade suficiente para decolar?
- Ele tem medo das pessoas que caminham pela praia. Se o vento não virar, este daí vai acabar morrendo...
Me despeço do vendedor que continuava vigilante, seus olhos ainda presos ao pássaro solitário. Talvez ele se identifique com o pássaro em sua jornada solitária, talvez ele também se sinta próximo do fim da sua vida, pondero.
À caminho de casa com a alma pesada, ocupada em decifrar o drama do homem e do albatroz, olho uma última para trás. O pássaro continua lá, como se aguardasse um sinal, um cardume de peixes, ou apenas uma mudança no vento. Há momentos na vida em precisamos estar atentos aos sinais para saber quando é hora de alçar voo.
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