Homem-Aranha ataca novamente (Homem-Aranha, cap. 1)
Era um verão infernal, desses que só ocorrem em ano de El Niño. E para piorar, o ar-condicionado estava quebrado. Não era somente o ar fresquinho que fazia falta nestes últimos tempos. Claudinha também precisava do barulhinho do aparelho para dormir bem. Na verdade, o barulhinho estava maia chacoalhar. O único jeito de conseguir dormir era abrindo mais de uma janela do apartamento, para criar uma corrente de ar e assim refrescar um pouco dentro de casa.
No início da madrugada, Claudinha acordou com um barulho leve, coisa de nada, parecia a janela deslizando devagarinho sobre o trilho. Com as últimas imagens dos seus sonhos ainda impressas na retina, ela abriu os olhos e viu um braço. Um braço apoiado na janela! Assustada, ela se sentou na cama, esfregou os olhos e voltou a olhar para a janela. Ela não estava sonhando, havia mesmo um braço apoiado na janela pelo lado da varanda. Em um único movimento, ela acendeu a luz de cabeceira e saiu voando para o banheiro, onde ficou trancada até o amanhecer. Acabou dormindo por lá mesmo, deitada no tapetinho sobre o piso gelado.
De manhã cedo, ela destrancou a porta do banheiro e espiou com cuidado pela fresta para ver se via ou ouvia alguma coisa. Nada. Silêncio total. Ela então saiu do banheiro e revistou a casa toda para ver se algo estava faltando. Nada. Tudo no seu devido lugar. Que mistério! “Ele deve ter se assustado quando eu liguei a luz no quarto, e fugiu”, falou consigo mesma. Resolveu então ir à padaria ao lado do seu prédio. Enquanto conferia a carteira para ver se havia dinheiro suficiente para pagar tudo o que pretendia comprar, a porta do elevador se abriu e Claudinha deu de cara com o síndico, seu Antônio, um português muito simpático. Após os cumprimentos de praxe, ela perguntou se o síndico havia ouvido falar de algum roubo recente no prédio, de alguma história estranha. “Por que?”, perguntou ele. E ela então resolveu contar tudo o que havia ocorrido na noite anterior.
Embora seu Antônio ouvisse atentamente todo o seu relato, aos poucos ele foi esboçando um risinho irônico. “Não seria um de seus amigos?”, ele perguntou ao final, como se toda mulher solteira que vive sozinha colecionasse homens na varanda, para consumo em caso de necessidade. Não sabendo o que responder, nem querendo comprar briga com alguém tão tacanho, ela murmurou uma rápida despedida e se apressou em ir à padaria. Durante o café da manhã, quanto mais pensava, mais brava ela ficava com o síndico e consigo mesma, por não ter lhe dado a resposta que ele merecia. Resolveu então tomar uma atitude e ligou para a polícia.
Já devidamente vacinada pela atitude machista de seu Antônio, Claudinha começou a conversa com o policial perguntando se havia casos recentes de assalto por Homem-Aranha no Rio de Janeiro. “Não minha filha, a última história faz muito tempo que aconteceu”. Bem, como ela não queria ser conhecida como a primeira de uma nova onda, acabou desistindo de falar com a polícia.
Nas semanas seguintes, cada vez que Claudinha saía com os amigos, ela relatava o que tinha acontecido e analisava a reação deles. Aos poucos ela foi colecionando uma série de histórias semelhantes que ouvia deles em retorno. Uma destas histórias a deixou impressionada pela semelhança com a sua.
Sua amiga Carol, que morava bem pertinho da Cobal de Botafogo, foi despertada numa madrugada por uma ligação telefônica muito estranha. Nela, um homem jovem e muito agitado dizia estar vendo alguém escalar a fachada do seu prédio. Ao fundo da ligação havia um forte ruído de música e gente jovem. De mau-humor ela desligou a ligação, que pensava ser trote. O telefone tocou mais duas vezes, mas ela não atendeu e acabou desligando-o da parede para poder voltar a dormir tranquila.
No dia seguinte Carol acordou bem cedo. Pelo apartamento circulava uma brisa ligeira. “Ainda me lembro que delícia estava a temperatura naquela manhã, depois de uma sequência de dias de um calorão insuportável, e de uma tempestade de raios”, comentou ela. O apartamento tinha passado toda a noite com suas janelas e portas da varanda abertas, como de costume durante o verão. De madrugada, havia caído uma tempestade violenta. Mas o que Carol achou estranho foram aquelas pocinhas d’água dispostas simetricamente, como pegadas de uma pessoa, tão longe da porta da varanda. Elas iam desde a porta da varanda até a estante da sala, e desta até o sofá. Carol ficou um tempo parada no meio da sala, tentando entender o que tinha acontecido. Foi então que ela se lembrou da ligação telefônica que tinha recebido no início da madrugada.
Carol se voltou lentamente pela sala, examinando com atenção cada um dos móveis, vendo se faltava alguma coisa. Ela se deu conta de que faltava um dos módulos do aparelho de som, uma verdadeira relíquia, e a capa do encosto do sofá. Imediatamente ela soube que algum ladrão tinha andado dentro de casa enquanto ela dormia a sono solto. Desesperada, ela saiu correndo, ainda vestida de pijama, para falar com o porteiro. Seu José não sabia de nada e, juntos, acharam melhor não chamar a polícia. Afinal, de que adiantaria? Com uma taxa de resolução de crimes inferior a 37%, chamar a polícia civil era tempo perdido.
Ela voltou para seu apartamento e, da varanda, ficou examinando a sua vizinhança para saber de que prédios era possível ter uma vista desimpedida do seu apartamento, afinal de contas o seu prédio era cercado de várias árvores altas. “Aquele prédio ali, de pastilhas marrons, é um bom candidato. Será que teve festa lá na noite passada?”. Foi assim que, batendo de porta em porta e conversando com os porteiros, ela descobriu de onde tinham ligado para ela. “O mais difícil foi descobrir um telefone no seu prédio”, lhe disse a vizinha. “Usamos um daqueles catálogos telefônicos antigos que informavam o número do telefone conforme o endereço. Como minha mãe guarda tudo que é velharia, a gente tinha um destes catálogos aqui em casa. Por sorte, o primeiro número discado era justamente o teu”.
Claudinha ouviu toda esta história de sua amiga Carol e resolveu confiar nos seus instintos. No mesmo dia ligou para uma serralheria e pediu que fechassem com grade a sua varanda. Também mandou instalar alarme em suas janelas e portas da rua. Não queria mais saber de viver as aventuras do Homem-Aranha. Agora finalmente poderia dormir tranquila!
Fim do capítulo 1
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