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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Home phone Ybi



Há dois dias, desci do avião e foi como se tivesse descido de uma espaçonave, vinda do espaço sideral. Uma sensação de estranhamento me afetou as entranhas. A certeza de que o mundo que agora vejo não é o mesmo da minha infância, e que tudo isso foi anunciado, previsto em artigo de jornal, em documentário e até em série da Netflix, mas mesmo assim eu não esperava.

Com as fortes chuvas trazidas pelo El Niño, a casa de minha prima já está debaixo d’água a um mês. Neste meio tempo, a água subiu um tanto, desceu um pouquinho, mas nunca escoou totalmente. Os peixes do rio Jacuí agora podem nadar livremente na sua sala. Com medo de que a água volte a invadir o andar acima, onde agora estão os móveis, os cães e os eletrodomésticos, ela não sai de casa. Fica ali, à mercê dos caprichos da natureza que trouxeram à sua casa a maior inundação em 82 anos.

 

Na casa de minha prima foram os peixes que tomaram o lugar dos cães, mas em Rio Grande esta mesma inundação trouxe leões marinhos, que agora disputam o espaço das ruas com os cães, em um bate-boca pouco amistoso. E o que é pior, estes leões marinhos estão com gripe aviária (H5N1). Mas gripe aviária não era coisa de passarinho?

 

No Amazonas, os botos cor-de-rosa e tucuxis morreram às centenas no Lago Tefé, onde as águas alcançaram na semana passada a temperatura de 39 graus Celsius, dez graus acima da temperatura normal. Este aumento anormal na temperatura das águas se deveu a uma seca severa que rebaixou o nível do lago e de seus afluentes. Além da alta temperatura das águas, a passagem excessiva de lanchas a motor na região deve ter contribuído para desnortear os botos e dificultar a sua fuga para águas mais profundas e frias. É de partir o coração.

 

Quando eu viajei para Portugal apenas o degelo das calotas polares da Antártida e o aparente desinteresse dos países desenvolvidos em atingir as metas ambientais definidas por eles mesmos me preocupavam. Mas agora, que minhas férias e meu período de alienação acabaram e volto a sintonizar no mundo real, me deparo com as consequências da mudança climática em minha porta. É assustador. E mais assustador ainda é esta apatia que embala o dia a dia de quase todos nós.

 

Sentada no saguão do aeroporto de Lisboa, aguardando a chamada para o embarque no vôo de volta para casa, quase me caiu o queixo quando abri a página da UOL para ler algumas notícias e preparar um retorno ao mundo real de modo suave. O título da primeira reportagem que li era “Seca incomum atinge o rio Amazonas, e isso pode afetar até a sua Black Friday”! Cruzes, quase tive uma síncope! Eu, ali sentada à espera do meu vôo, recebia sinais do espaço sideral, numa inversão completa da história de Steven Spielberg. Mas, ao invés de “Home phone Ybi”, eu recebia notícias do meu querido Brasil e de suas idiossincrasias quanto às questões ambientais. Era hora de voltar para casa e para o meu mundo real.

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Tags: crise climaticaenchenteleao marinho

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