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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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E se você estiver sendo espionado?

O que você faria se descobrisse que alguém do seu círculo de relações espionou sua vida a serviço do governo durante anos a fio? Você se interessaria por saber o nome desta pessoa que traiu a sua confiança e ler os relatórios que ela elaborou sobre sua vida e suas atividades? Esta é a situação em que se encontram atualmente vários cidadãos que viveram na extinta Alemanha Oriental entre os anos 1949 e 1989.

 vizinho espião

A divisão da Alemanha em dois estados, um comunista (República Democrática da Alemanha, ou Alemanha do Oriental) e outro capitalista (República Federativa da Alemanha, ou Alemanha Ocidental) durou 40 anos, e apenas terminou com o evento da queda do muro de Berlim, em 1989. Durante este período, cerca de 300 mil cidadãos trabalharam na Alemanha oriental como espiões para a Stasi, o serviço de espionagem do governo comunista. Ou seja, nesta época, cerca de um a cada 60 cidadãos era espião, contratado ou não-oficial.

Em 1992, o governo disponibilizou os registros compilados por essa legião de espiões ao público. Este vazamento voluntário de informações sigilosas do estado teve dimensões gigantescas, causando uma catástrofe na vida profissional e matrimonial de diversos cidadãos alemães ao desvendar suas atividades de espionagem e delação de pessoas conhecidas.

Porém alguns dos segredos mais bem guardados da Stasi foram protegidos dos olhos do público quando a Stasi ordenou a um grupo de agentes que picassem, queimassem, rasgassem e transformassem em polpa estes documentos confidenciais nas semanas que antecederam a sua divulgação. Dentre estes documentos, cerca de 50 milhões de páginas foram apenas rasgadas e acondicionadas em sacos de papel para posterior descarte. Porém, antes que estes documentos fossem definitivamente descartados, eles foram descobertos em um depósito da Alemanha por um grupo de manifestantes pró-democracia. Nos trinta anos que se seguiram à sua descoberta, um grupo de 12 arquivistas vem trabalhando nesta pilha de papel picado com o intuito de reconstituir os quebra-cabeças da espionagem alemã no período da guerra fria. 

Dos 16000 sacos de documentos rasgados, 500 já foram restaurados, o que equivale a cerca de 3 porcento da tarefa total. Estes documentos que levaram cerca de 40 anos para serem redigidos e alguns dias para serem destruídos, deverão aguardar quase seiscentos anos para serem totalmente restaurados, se o trabalho continuar sendo feito no ritmo atual. Deste modo, foi decidido que a restauração dos sacos que contém material correspondente à vigilância de cidadãos tem prioridade sobre os sacos com documentos burocráticos do estado ou com manuais de treinamento. O objetivo desta priorização foi permitir aos cidadãos que hoje se aproximam do final das suas vidas que tenham a oportunidade de conhecer os documentos elaborados a seu respeito e os nomes dos espiões que os redigiram.

Desde que estes arquivos foram liberados, trezentos mil cidadãos alemães já solicitaram acesso aos relatórios redigidos sobre eles. Embora esta experiência tenha se mostrado muitas vezes chocante, revelando que algumas pessoas viveram vidas ilusórias com pessoas com não eram dignas de sua confiança, há aqueles que têm tirado vantagens destes arquivos para entrar com ações na justiça contra o governo alemão devido à supressão de emprego ou de liberdades individuais baseada em informações adquiridas por espiões.

Uma das coisas mais impressionantes deste período da história alemã é que a ditadura comunista sobreviveu às custas da espionagem entre cidadãos, amplamente realizada por espiões não-oficiais. Se estes cidadãos tivessem se rebelado contra a situação, dificilmente a ditadura teria sobrevivido, pois a relação entre cidadãos normais e espiões era de 60:1. 

Finalmente, de acordo com a pesquisadora Dagmar Hovestädt, que trabalha como porta-voz do Comissário Federal para os Registros da Stasi, a divulgação dos arquivos da Stasi ao público trouxe duas grandes lições à sociedade:

- Mostrou que mesmo pessoas normais e íntegras se tornam instrumentos ao serviço de governos ditatoriais em troca de favores pessoais. É preciso perceber que essa não é uma atitude restrita a pessoas de má índole: pessoas normais podem cometer esse erro, dependendo da situação em que se encontram;

- Governos autoritários sobrevivem, pois tem o suporte de uma parcela considerável da população, seja por pessoas que o apoiem efetivamente, seja por indivíduos que preferem fechar os olhos às injustiças realizadas pelo governo contra uma parte do povo desde que seus privilégios ou estilo de vida sejam mantidos.

Nos tempos atuais, em que se tem observado um crescimento expressivo do discurso extremista em boa parte das democracias ao redor do mundo é preciso não se esquecer destas lições.

Para ter acesso à integra do artigo de onde foram retiradas estas informações, por favor leia a revista New Yorker.

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Tags: Alemanha orientalespionagemditadurastasi

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