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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Com as rédeas do destino nas mãos

 

 

 


- Bom dia, Simone. Pode entrar. Que bom que tu chegou cedo hoje. Eu queria falar contigo antes de sair para o meu compromisso de hoje, pois não sei a que horas estarei de volta em casa. Hoje é dia de encontrar minhas amigas. Tu sabe, né? Almoço que se estende por horas sobre a mesa enquanto a gente fofoca. Todas de pilequinho, de tanto beber champanhe.

 

 

 

- Sei não, dona Valdete. Nunca bebi champanhe na vida. Além disso, se eu chegar tarde em casa, o João vai encrencar comigo. Na hora da janta, a comida tem de estar na mesa.

- Simone, eu queria te pedir para não faltar mais no dia da faxina. Eu sou uma pessoa muito ocupada. Cada vez que você falta, minha vida fica uma confusão. Mas mesmo tu tendo faltado semana passada, eu me lembrei de ti, viu? Guardei para ti um edredom que está com um rasgo pequeno e algumas roupas que estão com pequenas manchas ou furinhos. Tudo coisa boa, Simone, só precisa consertar.

- Ah, muito obrigada, a senhora é sempre tão gentil. Depois eu dou uma olhada. Dna. Valdete, como vai o seu Nestor? Eu nunca mais vi ele depois que vocês se separaram.

- Cruz-credo, Simone. Para que falar do defunto? Só de pensar nele me dá um tédio... Ele deve andar carente e sem namorada, pois andou me mandando várias mensagens pelo WhatsApp, querendo marcar um encontro comigo. Aquele lá, coitado, não vai arrumar outra mulher tão fácil.

- Ele era sempre tão gentil comigo. Sempre que fazia o almoço, ele preparava um prato para mim, me servia a comida na mesma louça que ele usava. Sempre perguntava se eu estava bem de saúde, se a comida estava do meu agrado. Teve um dia que ele até me serviu uma taça de vinho.

- Ah, o Nestor é assim mesmo. Fala com qualquer um.

- Se meu marido fosse assim gentil que nem ele, pedindo por favor em vez de bater em mim...

- O que é que tu estás aí murmurando, Simone.

- Nada, não, Dna. Valdete.

- Simone, para de mexer na cama da Pitucha. Ela não gosta que gente estranha faça isso. Vai acabar te mordendo.

- Mas Dna. Valdete, eu tô vendo que a senhora colocou esse edredom que está novinho na cama da cachorra. Eu acho ele tão bonito! Ele ia ficar lindo lá em casa. Eu nunca tive nada assim tão chique.

- A Pitucha também gostou, não quer mais sair da cama dela. Mas vamos deixar de bate-papo, pois eu já estou atrasada para o meu encontro com as meninas. Tchau, até mais tarde.

...

- Essa daí não tem mais onde gastar seu dinheiro. Olha essa coleira com berloque de ouro pendurada no pescoço da Pitucha. Sai daí, sua cachorra desgraçada! Que mania de fazer xixi sobre os panos de limpeza. Parece a patroa encarnada. Nessa casa, só mesmo o seu Nestor me tratava feito gente! Olha só! Uma sacola com roupa novinha dentro. Ela nem se deu ao trabalho de guardar no armário quando chegou da loja. Garanto que não se lembra mais de ter comprado essas roupas. Deixa eu ver se elas cabem em mim. Olha, que beleza! Do meu tamanho. Garanto que se o seu Nestor me visse assim, nunca mais ia ligar para essa lambisgóia. Homem bom como aquele não merece uma mulher dessas.

Que bilhetinho é esse colado na geladeira? Quer que eu prepare a comida da cachorra com essa carne? Mas isso aqui é filé mignon! Na minha marmita nem carne tem, mas a cachorra dela vai comer filé? O pior de tudo é que eu não posso preparar essa carne para mim e dar a comida da minha marmita pra cachorra, pois nessa casa tem câmara de vídeo por todo lado. Até parece casa de reality show!

...

- Simone, cheguei! A Pitucha comeu direitinho?

- Comeu, sim, Dna. Valdete.

- Ah, é muito importante dar comida de qualidade para ela. Senão ela começa a se coçar, perde pêlo, lambe as patas até fazer ferida... A coitadinha sofre de alergias. Simone, que mancha roxa é essa no teu braço? Isso é doença contagiosa?

- Nada, não, Dna. Valdete. É que o João tava meio exaltado semana passada. Não gostou da comida que eu preparei. Reclamou da limpeza da casa. Disse que eu tô uma bruxa velha, e que, se eu não me cuidar, ele me troca por duas mocinhas que vivem dando bola pra ele...

- Presta atenção no que eu vou te dizer, Simone. Esse conselho vale ouro e eu estou te dando ele de graça: tu é a culpada da vida que tu leva. Tem de pegar o teu destino com as duas mãos. Ser feliz só depende de ti!

...

- Simone, aonde tu vai tão cedo e assim toda arrumada com essa roupa chique? Parece até madame!

- Oh, seu Antônio. Fazia tempo que eu não encontrava o senhor aqui cuidando da portaria. Achei até que tinha pedido demissão.

- Hum,tu tá até perfumada! Isso é perfume francês, eu aposto. Tá indo para um encontro amoroso, né?

- Que é isso, seu Antônio! Eu sou mulher casada e de respeito. Estou indo fazer uma faxina rápida na casa do seu Nestor. Dona Valdete me pediu que fosse lá.

- Ah, muito bem. A Dna. Valdete está em casa? Eu vou aproveitar e levar pra ela a encomenda da Amazon que foi entregue aqui na portaria. Pera aí, que mancha de sangue é essa no teu pescoço, Simone?

- Não é nada, não. Me cortei. Coisa boba. Seu Antônio, a Dna. Valdete pediu para não ser perturbada. Ele pegou um resfriado e vai ficar uns dias de cama. É melhor não bater na porta dela, pois essa gripe é muito forte, pode até matar.

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