Uma viagem no tempo por correspondência
Quando o hábito de escrever diariamente retornou, minha mãe e minha tia desencavaram minhas cartas, escritas a quase 40 anos atrás. Elas, que tinham sido guardadas com carinho, foram devolvidas com observações amorosas. “Eu gostava tanto de ler as tuas cartas”. Munida de paciência, abri e reli uma a uma das dezenas de cartas e cartões que eu havia escrito.
Desta pesquisa arqueológica da alma, o que restou foi uma sensação de estranhamento. Tantas histórias por mim contadas das quais não me recordo! Tantas pessoas que naquela época eram importantes para mim, mas que perderam significado na minha memória! Mas acima de tudo, o que mais me deixou impressionada, é que eu mal me reconheci.
A escrita medíocre, a repetição incansável das minúcias do dia a dia de uma estudante, as peculiaridades na relação com uma empregada doméstica, as frustrações em uma relação com o sexo oposto...nada disso poderia explicar o prazer em receber minhas cartas. O que salta aos olhos é o amor transbordante, o tratamento carinhoso presente em toda a correspondência.
Onde foi parar esta criatura tão cheia de amor que escrevia aquelas cartas? É isso que chamam de amadurecimento, este ressecamento da alma que observo em mim? Hoje sou incapaz de manifestações de amor tão cândidas quanto as que encontro em cada uma daquelas cartas. Meu olhar sobre o mundo perdeu sua ingenuidade. Que pena!
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