Sujou, limpou
Sob a superfície gelada da Groenlândia, a 100 km da costa oeste do continente, há uma base militar americana abandonada durante a Guerra Fria que causará um estrago incalculável quando for atingida pelo degelo crescente da calota polar.
A construção de uma base militar a meio caminho entre os EUA e Moscou, constituída por 4000 km de túneis situados a 30m de profundidade no gelo, capazes de abrigar toda a população da base e cerca de 600 mísseis nucleares, fez parte de um projeto do exército americano dos anos 1950 /1960 denominado Iceworm Project. Do total previsto, foram escavados apenas 3km de túneis de dimensões variadas, porém o risco de colapso iminente dos mesmos levou o exército americano a abandonar este projeto.
Na época, os militares se gabaram de que a construção da base estava sendo realizada com tecnologias muito baratas. Os túneis foram escavados com máquinas suíças para a remoção de neve das estradas e, em seguida, recobertos por telhas flexíveis e nova camada de neve. Após uma semana, esta neve sobre o teto congelava novamente, formando uma estrutura autoportante. Dentro dos túneis foram instaladas casas pré-fabricadas insuladas e aquecidas e o local foi batizado de Camp Century.
A energia necessária ao funcionamento da base militar vinha de um reator atômico portátil, que funcionou no local por três anos antes de ser definitivamente removido. Porém, o resíduo gerado pelo seu funcionamento foi abandonado no local, onde permanece até hoje.
Embora o projeto Iceworm fosse considerado ultra-secreto, ele foi divulgado na mídia americana através de uma matéria escrita por James J. Haggerty Jr, um oficial da marinha Americana. Este artigo foi publicado em maio de 1956 na Collier’s Magazine com o nome chamativo de “Subways under the icecap”. O artigo descreve com detalhe os túneis, suas dimensões, sua profundidade abaixo da superfície, que partes da estrutura podem ser vistas da superfície e a que distância da base aérea de Thule, situada na costa da Groenlândia, fica Camp Century.
Além disso, um civil dinamarquês de apenas 18 anos, Soeren Gregersen, passou meses a fio acompanhando a construção desta base, circulando nas proximidades do reator nuclear, escrevendo notas detalhadas em seu diário e tirando fotos a seu bel-prazer. Suas notas estão bem-organizadas em três arquivos, redigidos durante o tempo em que ele ficou hospedado na base militar. Vamos convir que o fato de um projeto ultra-secreto ser assim tão mal guardado é muito estranho, não é mesmo?
Todo o processo de construção da base foi filmado a cores com o intuito de ser posteriormente exibido ao público como parte de uma campanha governamental para conquista da opinião pública. O intuito desta operação pode ser mais bem compreendido se nos lembrarmos que, à época, os EUA lutavam contra o seu fracasso na corrida espacial. Enquanto continuavam incapazes de lançar um foguete ao espaço, os americanos viam a cápsula espacial russa Sputnik cruzar o céu do seu país. Qualquer artimanha que levasse o público americano a crer que os EUA estavam com a situação sob controle valia à pena. Até mesmo a construção de uma base militar escavada no gelo!
Em 1966, os americanos afinal pareceram se dar conta de que a deformação das paredes e do teto destes túneis de gelo punha em risco a segurança das pessoas e dos equipamentos. Apesar de os engenheiros da First Engineer Arctic Task Force alardearem que o gelo é “duro como concreto”, a força exercida pelo peso de nevascas frequentes causa a deformação da calota de gelo para baixo e em direção à costa, tornando o gelo inadequado para a construção civil de grandes proporções.
Um levantamento de radar feito recentemente na Groenlândia mostra que os túneis perfurados no gelo pelo exército americano àquela época já se deslocaram 232m em direção à costa da Groenlândia em função da constante deformação da calota polar. Mas qual é o problema disso? Na verdade, este é um problema gravíssimo de segurança ambiental.
O fato é que quando o exército americano abandonou Camp Century, ele abandonou cerca de 9200 toneladas de lixo, 200 mil litros de óleo diesel e o resíduo nuclear resultante da operação do reator durante três anos. Este resíduo continua afundando no mesmo lugar onde foi descartado no gelo, devido a sua alta temperatura. A questão que agora não quer calar é quem vai esvaziar esta lixeira antes que o degelo das calotas polares e os eventos climáticos coloquem todos estes resíduos em contato com a água do mar causando um desastre ecológico sem precedentes?
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