O médico com fetiche por pés
Poucos são aqueles que descobrem cedo na vida do que é que gostam e permanecem fiéis as suas preferências durante toda a sua existência. A maior parte das pessoas vaga perdida num mundo de possibilidades durante os longos anos da infância, adolescência e juventude, e acaba optando por imitar em tudo os seus amigos e colegas, na falsa ilusão de que assim serão aceitos como parte do grupo. Artur tinha poucos meses de idade e ainda dormia em seu berço, mas já fazia parte deste seleto grupo dos que sabem.
Nas manhãs e tardes frescas de outono, logo após a hora da mamadeira, Artur passava longas horas olhando por entre as barras do berço para o que se passava no quarto. Sua mãe frequentemente reclamava para suas conhecidas desta criança, que, por dormir tão pouco, não lhe deixava tempo livre para ir cuidar da sua vida. Mas os olhos de Artur, longe de vagarem perdidos pelo quarto e pelos móbiles coloridos pendentes sobre a cama, se concentravam nos pés de sua mãe. Delfina Laura não tinha amigas ou hobbies que lhe ocupassem o tempo. Ela preferia dedicar toda a sua atenção ao embelezamento de seus pés. Assim sendo, ela passava longas horas sentada na poltrona do quarto de Artur, com os pés de molho em uma bacia com água morna e sais, passando pedra pome nas calosidades, removendo a cutícula, lixando as unhas, passando óleos perfumados na pele e enfim pintando suas unhas de esmalte vermelho vivo. Sempre a mesma cor. Artur acompanhava toda aquela liturgia em silêncio para não a perturbar.
O ritual de cuidados de Delfina Laura somente era perturbado nas quartas-feiras, pela chegada do podólogo, que vinha atendê-la em casa. Durante toda a hora dedicada a este atendimento, Artur chorava a plenos pulmões, abandonado em seu quarto, com a porta bem fechada para que seu choro não perturbasse o convidado. Ao final desta hora, logo após o barulho da porta da rua se fechando, Artur via sua mãe voltar sorridente, os cabelos soltos sobre os ombros, a pintura das unhas dos pés toda borrada. Ela então assumia o seu lugar de praxe na poltrona e, assobiando tranquila, tratava de tirar o esmalte ainda fresco das unhas.
Artur cresceu solitário. Era um garoto imaginativo que brincava sempre sozinho. Os adultos nunca sabiam o que ele estava fazendo. Às vezes alguém o encontrava escondido dentro do closet de sua mãe, onde ele desenvolvera o costume de cheirar e lamber as sandálias de salto alto, em especial uma prateada, de tiras bem fininhas. A obsessão pelos pés de sua mãe durou até a sua adolescência, quando os pés dela começaram a ser deformados pelo aparecimento de joanetes. O choque e o desgosto causado por essa transformação fizeram com que Artur pensasse pela primeira vez em se tornar um médico ortopedista com especialização em cirurgia de pés.
Aos poucos o seu olhar começava a se voltar para suas colegas de classe. Contudo, dada a sua timidez e olhar fixo, ele era visto por elas com desconfiança. Muito cedo descobriu que sua paixão pelos pés tinha nome e sobrenome. Podilatra cultor, seu professor de latim ensinou. Como forma de retribuição por essa informação tão importante, ele se esforçou nas aulas de latim para elaborar uma frase elegante que definisse o lema de sua vida: Valor feminae pulchritudine pedum mensurator. O valor de uma mulher é medido pela beleza de seus pés. Dali por diante, não perderia mais seu tempo com tudo aquilo que não tinha importância para ele. Das mulheres, apenas lhe interessava aquilo que estava situado abaixo da linha dos tornozelos.
Aos trinta anos concluiu sua especialização em cirurgia de pés sem muito mérito e, logo em seguida, mudou-se para uma cidadezinha do interior onde começou a clinicar. As enfermeiras e secretárias do hospital da cidade logo descobriram aquele doutor tímido com fetiche por pés. Em pouco tempo, elas haviam criado com ele um concurso informal pela escolha dos pés mais bonitos do hospital. Todas participaram ávidas deste concurso, na esperança de conquistar aquele partidão solitário.
Aos trinta e cinco anos, Artur noivou com Marieta, uma mocinha sem graça, mas que tinha os pés mais bonitos que ele já tinha tido o prazer de examinar. Contudo, o noivado se arrastou por três longos anos sem que o noivo mostrasse maior interesse pelos demais atributos de Marieta. Moça fogosa, ela acabou perdendo a paciência e a cabeça por outro rapaz, e o noivado teve de ser desfeito.
Logo após começar a trabalhar, ele já havia estabelecido uma rotina de atendimento. Em seguida a uma rápida consulta, em que apenas tirava uma foto dos pés da paciente e examinava os RX’s, ele solicitava a elas que marcassem a data da cirurgia com sua secretária. No entanto, começaram a surgir rumores na cidade de que ele nem sempre fazia o procedimento combinado no consultório e que, frequentemente, ele era considerado negligente, dando prioridade à beleza em detrimento da funcionalidade dos pés. Rapidamente se acumularam 56 ações na justiça contra ele. Os advogados o culpavam de não elaborar um prontuário do paciente, nem a programação da cirurgia. Além disso, o seu comportamento era considerado impetuoso na sala cirúrgica toda vez que ele não conseguia obter os resultados esperados.
Para fugir da prisão e das altíssimas compensações financeiras que deveriam ser pagas às vítimas pelos danos por ele causados, Artur resolveu mudar de nome e de cidade. Com o dinheiro que ele tinha acumulado naqueles anos de trabalho como cirurgião, ele comprou uma pequena sapataria. Enfim livre da visão torturante daqueles pés deformados, ele se tornava um homem realizado: passava os dias ajoelhado aos pés de suas clientes, ajudando elas na escolha do par de calçados mais sexy. Nada poderia ser melhor neste mundo!
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