O ex-bilionário
Depoimento fictício de Yvon Chouinard, ex-bilionário e proprietário da empresa Patagônia, sobre sua vida e os motivos que o levaram a doar sua empresa a uma entidade não-governamental dedicada à causa climática. Este depoimento se baseia em fatos citados na mídia sobre o ex-bilionário.
Você já deve ter ouvido falar de mim. Nos últimos anos me tornei famoso desde que resolvi transferir a minha empresa, que vale U$ 3 bi, para uma entidade não-governamental que luta pela preservação do clima. É verdade! Desde então não tenho mais economias no meu nome, mas isso não me aflige. Eu já fui muito pobre, e nem por isso infeliz.
Lembro do tempo em que a vida era uma aventura, com novas descobertas a cada dia. Eu vivia no limite: da minha energia e das minhas finanças. Com relação às finanças, devo confessar que o limite era bem baixo, em torno de U$1 por dia. Ter vivido uma infância simples, como filho de um encanador, ajudou muito a achar soluções alternativas para poder realizar o meu sonho.
Eu cresci em uma América que esbanjava riqueza após o final do seu envolvimento na Guerra da Coréia. Tudo era barato e podia-se viver uma vida razoável a partir do desperdício alheio. Pela primeira vez na história, a juventude podia se sentir libertada da prisão do trabalho e das convenções sociais e se jogar em uma vida de aventuras. Se tudo desse errado, sempre haveria empregos de sobra.
Ao me associar a um clube de falcoaria durante a minha adolescência, eu havia descoberto minha paixão pelas escaladas. Desde então, me aventurei com meus amigos em escaladas de fim de semana e, aos poucos, fui me tornando um exímio escalador.
Aos 24 anos fui preso por vagabundagem. Meu único crime era andar sem destino, nem dinheiro no bolso, viajando pelo país na boleia de um trem de carga. Pouco tempo depois conheci a mulher de minha vida, que sempre esteve ao meu lado em todos os desafios que enfrentamos. Ela estudava artes e economia doméstica, e tinha uma alma aventureira como eu.
Quando nos casamos Melania e eu, a vida era cheia de poesia e nada mais. Nossa única exigência nesta vida era ter dinheiro suficiente para fazer aquilo que realmente nos dava prazer. E o pouco dinheiro que tínhamos nunca nos impediu de realizar nossos sonhos. Nós apenas fazíamos as coisas de uma maneira diferente daquela empregada pela maior parte das pessoas. Para nossa sorte, nossos prazeres não custavam caro.
Durante nossos primeiros anos de casados, passávamos vários dias do mês dormindo na traseira do nosso carro. Quando o dinheiro acabava, eu catava garrafas nas lixeiras para arrecadar dinheiro suficiente para colocar gasolina no tanque e comprar comida. A vida naquele tempo era barata.
Meu amor pelas escaladas sobreviveu aos tempos difíceis. Qualquer dinheiro que sobrasse era gasto em provisões de escalada. Mas, ao invés de levarmos mantimentos calóricos, como nossos companheiros dos abrigos de montanha, comprávamos as latas de ração para gato que estavam amassadas e eram colocadas em oferta. O patê para gatos era enriquecido com batatas cozidas, carne de esquilo e de pássaros e comido com gosto.
Logo descobri que os equipamentos de escalada disponíveis no mercado não eram adequados às nossas necessidades. Com o passar do tempo, comecei a imaginar mudanças no seu design que poderiam facilitar nosso uso. Acabei aprendendo o ofício de ferreiro apenas para conseguir botar em prático os meus projetos. Em pouco tempo, o equipamento desenvolvido por mim começaria a fazer sucesso entre meus companheiros, e a propaganda boca-à-boca ajudou com que eu começasse a ganhar um dinheirinho extra com a venda deles. Ao final das escaladas, a caminho de casa, eu agora me oferecia um prato de lagostas e abalones em um restaurante de beira de praia.
Com o tempo, acabei abrindo uma empresa de equipamentos de escalada e roupas para trekking, a Patagônia. Meu patrimônio foi crescendo, mas meu estilo de vida continuava imutável. Quando, aos 84 anos, descobri meu nome na lista de bilionários da Forbes, eu ainda morava em uma casa modesta e dirigia a mesma Subaru velha de sempre, com uma prancha de surf atada ao teto. A descoberta de que eu era bilionário me deixou pasmem. Como assim? Eu nunca nem ao menos havia desejado me tornar um empresário!
Durante os meses que se seguiram, acordei inúmeras vezes no meio da noite com a sensação prazerosa de estar pendurado em uma corda lá no alto de El Capitán, meus dedos agarrados às fendas do granito e meu rosto voltado para o sol, admirando o vôo em círculos de um falcão. Que felicidade poder me sentir assim, em comunhão com a natureza novamente. Meus sonhos me fizeram lembrar da importância de assegurar que as próximas gerações tenham a mesma chance que eu tive de viver em contato com a natureza. Mas, do jeito que as coisas andam...
Como as nossas iniciativas do passado já não são suficientes, agora é preciso subir o tom. Por isso, me reuni com minha mulher e meus filhos e juntos tomamos a decisão de doar nossos bens à causa climática. Quem sabe o nosso exemplo venha a ser seguido por mais gente?
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