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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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O dia em que a elite do primeiro mundo foi tratada como nós, pobre mortais

ivy league

Quando ouvimos uma história que trata de abuso de autoridade, nós sempre imaginamos que as vítimas pertencem às classes desfavorecidas: pobres, imigrantes, doentes, incultos. Mas o que você diria de um caso em que as pessoas abusadas eram sistematicamente da elite cultural e econômica do mundo ocidental? Difícil de acreditar, não é mesmo? Mas esta história de abuso existiu e durou décadas.

De 1940 até os anos 1980, as universidades que fazem parte da Ivy League, um grupo de instituições de ensino superior de excelência no nordeste dos Estados Unidos, tinham como parte de seu processo de admissão de novos estudantes um costume bizarro. Não estamos falando aqui de sociedades secretas de jovens ébrios, nem de trotes universitários. A coisa é mais séria.

Durante décadas, todo novo estudante era enviado em seus primeiros dias de aula à uma salinha para tirar fotos destinadas a avaliar a sua postura. Após retirar toda a roupa, o estudante deveria aguardar calmamente que os auxiliares do fotógrafo colassem pinos de ferro de 15 cm à algumas de suas vertebras, desde a base da coluna até o seu pescoço, o que conferia a ele a aparência de um porco-espinho de metal. As fotos de frente, de costas e de lado de cada um dos milhares de homens e mulheres submetidos a este processo seriam posteriormente enviadas para estudos.

Esta história veio à público quando, na década de 1970, um empregado da Universidade de Yale resolveu se aventurar pelos corredores escuros de uma torre gótica do campus e ali encontrou milhares de fotos perturbadoras. Eram fotos de jovens nus com o que pareciam ser espinhos de metal cravados em suas costas! Ele reparou que entre estes jovens, havia pessoas conhecidas. A Universidade ordenou imediatamente que todas essas fotos fossem picadas e queimadas, mas o escândalo estava longe de ser controlado. 

Descobriu-se que estes arquivos faziam parte de estudos realizados na Ivy League, conduzidos principalmente por W. H. Sheldon, da Universidade de Harvard. A cada foto era adicionado um rótulo que descrevia o tipo de corpo como endomórfico, ectomórfico ou mesomórfico. Esta classificação se inspirava nas teorias do darwinista social Francis Galton, que havia proposto a criação de um banco de imagens semelhante para a população da Inglaterra vitoriana do final do séc. XIX. A cada um destes tipos físicos eram atribuídos diferentes graus de inteligência, tipo de temperamento e capacidade de atingir o sucesso em suas carreiras.

Pessoas famosas tais como George Bush, Bob Woodward, Meryl Streep, Hillary Clinton e Diane Sawyer estão entre aqueles que tiveram suas fotos registradas. Durante os anos que se seguiram, estas pessoas sofreram com os boatos episódicos de que alguém havia arrombado a fechadura dos arquivos onde as fotos estavam armazenadas e as vendido para algum chantagista.

As más línguas dizem que ao invés de servirem para estudos sobre a postura, essas fotos fizeram parte de um experimento eugênico das universidades, conduzido por cientistas cuja preocupação era desenvolver uma super raça americana. Sugerem que as fotos dos rapazes e moças da classe dominante teriam sido utilizadas para criar álbuns de imagens disponíveis para consulta por aqueles interessados em casamentos que resultassem em uma prole sadia, de acordo com os preceitos da eugenia, tão em moda nos EUA àquela época. Seria isto uma lenda urbana?

Harley Holden, curador dos arquivos de Harvard, afirmou repetidas vezes que todas as fotos de Sheldon haviam sido destruídas 15 anos atrás para proteger a privacidade dos fotografados. Porém várias destas fotos apareceram no livro sobre tipos de corpos de Sheldon, denominado Atlas of Men

Investigações realizadas por um repórter da NY Times, que também foi vítima deste procedimento, revelaram que dezenas de milhares de fotos escaparam das chamas. Porém, neste processo, Sheldon se tornou fortemente desacreditado e perdeu o apoio das Universidades, que não queriam se envolver no escândalo das fotos de nus. Após uma longa procura por uma instituição que aceitasse abrigar os arquivos de Sheldon, o Museu Nacional de História Natural de Washington finalmente se prontificou a armazená-los nos Arquivos Antropológicos Nacionais. 

Embora hoje o acesso a estas fotos seja fortemente censurado, sendo necessário se inscrever e aguardar semanas pela permissão, o repórter Ron Rosenbaum foi autorizado a pesquisar este material. O que ele descreve são fotos de homens nus, em sua maior parte relaxados e tranquilos. À época das fotos os homens tinham uma educação menos puritana com relação aos seus corpos do que a atual. Eles estavam frequentemente nus na presença de seus colegas durante o banho, ou sumariamente vestidos em esportes aquáticos nas instituições de ensino exclusivamente masculinas. Porém as mulheres...

Criadas para serem pudicas, modestas e ocultarem seus corpos de olhares de estranhos, além de estarem sujeitas a inúmeras exigências sociais de beleza, magreza e tônus muscular, as mulheres em sua quase totalidade apareciam cabisbaixas, com ar humilhado. Ainda mais que os fotógrafos e seus auxiliares eram homens e desconhecidos.

Deste evento profundamente desagradável salta aos olhos uma lição: tendo em vista que teorias científicas podem ser posteriormente desacreditadas, pois nem todo experimento científico tem bases sólidas, as autoridades não deveriam permitir que estudos que coloquem em risco a privacidade das pessoas sejam feitos de modo compulsório. Não seria este o caso das autorizações negociadas pelos laboratórios de análises clínicas para o compartilhamento dos nossos resultados de exames de saúde? Isto descobriremos o dia em que o nosso seguro saúde se negar a renovar a apólice se não aceitarmos um aumento absurdo no valor das mensalidades devido aos nossos índices do último exame de sangue.

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Tags: SheldoneugeniaIvy leagueatlas of Men

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