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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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O açougueiro de Paris: o julgamento de Marcel Petiot (cap. final)

Quando a Gestapo soube pela mídia que o Dr. Petiot era um assassino procurado pela polícia, ela se deu conta do erro de julgamento que havia cometido ao libertá-lo meses antes, quando não obtivera nenhuma confissão sob tortura. Porém agora era tarde, o médico já havia desaparecido na poeira.

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A situação não era das melhores para a Alemanha, que vinha sofrendo uma derrota após a outra. Mas logo a Gestapo se deu conta de que o caso do Dr. Petiot era um presente dos céus. Cativar a atenção do público para essa história macabra desviaria o seu interesse das novidades vindas do front e dos revezes que os nazistas vinham enfrentando. A Gestapo então começou a fazer inúmeras declarações aos jornais chamando o Dr. Petiot de “o maior assassino da história”, “o açougueiro de Paris”, “o doutor Satã”, ou até mesmo o “barba azul dos tempos modernos”.
No final de julho de 1944 a derrota da Alemanha já era iminente e o interesse no caso da rua le Sueur foi perdendo o interesse do público até que, no dia 20 de agosto, o comissário Massu que investigava o caso foi aprisionado sob a acusação de colaborar com os nazistas. Quando a Alemanha assinou a sua rendição cinco dias mais tarde, Marcel Petiot continuava desaparecido.
Um mês após a liberação da França, o jornal La Résistence publicou um artigo chamando Petiot de “o soldado do Reich”, acusando-o de estar associado ao submundo da prostituição e ao tráfico de drogas, bem como de ter utilizado a mansão da rua le Sueur para se livrar dos corpos dos opositores ao regime nazista. Cerca de um mês mais tarde, o editor do jornal La Résistence receberia uma carta escrita à mão. O autor da carta alegava ser o próprio Dr. Petiot, que buscava defender-se das falsas alegações feitas contra ele na matéria publicada. Desta vez as artimanhas utilizadas pela polícia para atrair o psicopata pareciam ter funcionado: ela solicitara ao jornal publicar uma matéria fictícia de um jornalista inexistente com o intuito de ferir a sua vaidade e, se possível, fazê-lo vir a público. Este dizia na carta que lutava junto à Resistência para vingar o assassinato de centenas de milhares de franceses pelos nazistas. Alegava ainda ter matado apenas nazistas e seus colaboradores.
Como a polícia suspeitava que Petiot continuasse morando nas cercanias de Paris e trabalhando como médico, ela solicitou aos vilarejos das proximidades que lhe enviassem documentos com amostras da caligrafia de todos médicos que ali trabalhassem. A comparação destas amostras com a caligrafia da carta enviada por Petiot ao jornal fez com que a polícia passasse a suspeitar do Dr. Henri Valéry, que desde o seu alistamento em setembro de 1944, após a libertação da França, trabalhava como médico militar em Reuilly. Em 31 de outubro daquele mesmo ano, Petiot acabaria sendo aprisionado durante um patrulhamento de rotina na estação férrea de Reuilly sem opor qualquer resistência.
Durante as investigações que se seguiram a sua prisão, a polícia descobriu que Petiot havia-se apropriado dos documentos de François Wetterwald, aprisionado na Alemanha, e alterado seu nome para Henri Vallery. Quando a polícia prendeu o Dr. Petiot, encontrou em seus bolsos uns cartões de racionamento em nome de René Wetterwald. Porém um exame mais aprofundado mostrou que eles haviam sido rasurados e que o nome original era René Kneller, o filho de Kurt Kneller, a quem pertencia a camisa com monograma que havia sido recortada e transformada em um pijaminha de criança. Pela primeira vez a polícia conseguia estabelecer uma conexão real entre os pertences das vítimas que haviam desaparecido e o Dr. Petiot!
Seu julgamento iniciou em março de 1946 e durou pouco menos de 20 dias. Apesar de todos os esforços realizados, nunca fora possível determinar a identidade dos corpos desmembrados, o método utilizado para matá-los, ou o paradeiro dos proprietários das malas – seja na França ou em qualquer outro país da América do Sul. Além disto, havia vários furos nas declarações de Petiot sobre o funcionamento da Resistência, o nome de seus contatos e o número da sua identificação. E até mesmo a célula da Resistência a que ele dizia pertencer, a Fly-Tox, era desconhecida por todos. Ao final, Petiot assumiu ter assassinado 19 dos 27 casos que haviam sido imputados a ele, apenas aqueles que, de uma maneira tortuosa, ele conseguia justificar como tendo sido realizados à mando da Resistência. Caso os assassinatos fossem considerados crimes de guerra de interesse de seu país, ele não poderia ser condenado à prisão.
Apesar da falta de evidências concretas, o júri constituído por apenas 7 cidadãos, considerou que ele não era um verdadeiro soldado da Resistência, nem um legítimo operador de uma rota de fuga. Tampouco o seu acesso a uma quantidade inesgotável de produtos estritamente racionados tais como carvão, cal virgem, morfina e mescalina, pode ser elucidado. Assim sendo, ele foi condenado e executado na guilhotina no dia 26 de maio de 1946.

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Tags: pijama de René KnellerMarcel Petiotjulgamentodoutor satã

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