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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Juntos para Sempre

 


Que bom que você voltou. Eu estava aqui olhando as fotos das viagens que fizemos juntos. Tão poucas. Se a gente não tivesse passado aqueles anos todos se separando e juntando outra vez, talvez a gente tivesse tido mais tempo para viajar juntos. Nossas viagens foram poucas, mas foram boas. Na verdade, foram as melhores de todas as que fiz. Quando eu abro os álbuns das viagens que fiz com outras pessoas, e vejo aquela imensidade de lugares visitados a cada dia. Museus, palácios, mesquitas, parques, bares, placa comemorativa da vida ou da morte de algum cristão...Dentro de alguns desses álbuns ainda tem as listas de coisas obrigatórias para fazer em cada cidade. Cruz, credo! Férias que mais pareciam penitência. Tem lugares que eu nem lembraria mais de ter ido, se não fossem os textos que escrevi abaixo de cada foto.

 

 

Hoje, revirando o armário da sala, eu encontrei esse álbum aqui, bem magrinho. Do tempo do filme de rolo. Lembra que eu levei na viagem todo o equipamento fotográfico, mas esqueci dos filmes sobressalentes em casa? Só tem as fotos do filme que estava na máquina. Eu e a minha memória... Para as coisas práticas, ela não funciona, mas desta viagem eu me lembro tudinho, nem preciso das fotos para ajudar. Lembro até daquele guia maluco, que ficava colocando as folhagens secas sobre a cabeça, como se fosse uma peruca, e saía caminhando pela Chapada, esquecido de nós.

 

 

A Chapada Diamantina. Que lugar de sonho! Por muito tempo eu pensei em me mudar para lá depois de aposentar. Mas aí você se foi. Ficou difícil realizar o meu sonho, né? Mesmo que agora você não saia mais do meu lado, nem reclame mais, graças a Deus, agora é tarde. Seria perfeito, não fosse eu sair andando por aí falando sozinha, fazendo papel de doida... Me poupe. Na época desta viagem, a gente nem falava muito. Bastava se olhar e um já sabia o que o outro estava pensando. Eu sabia que você no fundo gostava daquele guia maluco, meio que se identificava com ele. Olha aqui aquele teu calção de nylon, coisa de louco. E esse desgraçado não estragava nunca, era de boa qualidade.

 

Uma caminhada de três dias pelo Vale do Pati. Só nós dois e o guia. Lembro que você nem acreditou quando eu topei na mesma hora. Também, nem precisava pensar no assunto: um caminho de conto de fadas, que atravessava vales e montanhas, explorava cavernas e percorria as longas planícies ventosas. Olha aqui nesta foto, nós dois no primeiro dia, limpinhos e cheirosos. No final do terceiro dia eu tive vontade de me enfiar na máquina de lavar, junto com a nossa roupa. Mas minha alma, esta já vinha coarada no sol e lavada.  Voltava imaculada daquela caminhada.

 

Lembra que a primeira noite a gente dormiu na boca de uma caverna? Um espetáculo, aquele céu noturno. Limpo, cheio de estrelas, nenhuma luz elétrica a perder de vista. O canto dos pássaros noturnos embalando o nosso sono. No dia seguinte passamos a noite em uma casa de nativo. Lençol limpinho e cheiroso. Comida dos deuses. Dna. Maria fazia mágica naquele seu cantinho de paredes enegrecidas pela fuligem do fogão a lenha, as panelas todas muito polidas, penduradas no teto. Lembro de pensar na minha cozinha de casa, tão linda, mas quase sempre sem uso, a coitada. A gente comendo qualquer besteira na rua para não perder tempo com as panelas. Não perder tempo para fazer o que com ele? Aquela eterna necessidade de se ocupar, de viver a vida na rotação máxima, ir a todos os programas imperdíveis listados no Rio Show.

 

Depois dessa foto da cozinha de Dna. Maria acabou o filme da minha máquina, mas eu ainda me lembro de cada minuto que passamos juntos na Chapada. Foram férias de sonho. Se naquela época eu soubesse tudo o que sei hoje a meu respeito, não perderia meu tempo realizando os sonhos alheios. Acho que nem você, né? Parava com aquele negócio de me separar de você a cada tantos meses por algum motivo idiota, parava de passar as férias correndo feito uma condenada para cumprir toda a programação da viagem, viveria uma vida em velocidade mais lenta, usufruindo cada momento, e principalmente passaria mais tempo com os meus amigos, os poucos que eu realmente amo. 

 

Vamos, meu véio, deixa eu limpar essa bagunça que agora já é tarde. E hoje é dia de te acender uma vela.

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Tags: vida após a morteviagenscaminhadasespíritoritmo de vida

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