Irmão José da Cruz, o Messias dos Ticunas
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José Fernandes Nogueira cresceu sabendo que seria padre, mas nas duas vezes em que sua mãe tentou entregá-lo aos padres para que ele se tornasse seminarista, José não foi aceito. Decepcionado com as recusas da Igreja, aos vinte e quatro anos de idade ele resolveu casar-se. Nos anos que se seguiram ele teve sete filhos, mas o chamado da Igreja permanecia forte dentro dele. José tinha quase trinta anos quando fez um retiro religioso junto com os padres para estudar os ensinamentos da Bíblia. Ele voltou tão impressionado deste retiro, que logo em seguida passou a ter visões celestiais.
No primeiro dia em que teve visões, José voltava de madrugada de uma viagem à região das montanhas em Minas Gerais, quando viu descer do céu um homem que lhe estendia uma cruz enquanto dizia “Toma esta cruz apostólica evangélica”. A seguir, este homem apontou para um o Santo Evangelho e disse “Leva ao mundo, aqui está a vida”. E, em seguida, a visão desapareceu.
No dia seguinte, José teve nova visão. Nela apareciam dois homens, o Pai e o Filho, e entre eles uma estrela resplandecente, o Espírito Santo. O Pai lhe disse “Tudo o que você está vendo, e já viu e vai ver, são obras do criador, Deus Pai, que criou os visíveis e os invisíveis. Não se atemorize, não se amedronte, não desmaie, porque o que condena é o mesmo que salva”. E, novamente, a visão desapareceu.
No terceiro dia José Fernandes teve a sua última visão. Desta vez ele veria tudo o que iria se passar com a humanidade como se estivesse assistindo a uma película sagrada da Terceira Reforma Cristã Mundial.
Após as três visões, José passou a fazer romarias por Minas Gerais e São Paulo, até que, em um dia, ele resolveu largar sua família e sair pelo mundo levando aos povos a palavra do Senhor. Ele pretendia, com esta cruzada católica, salvar a humanidade do fim do mundo, que ele sabia estar próximo.
Ele peregrinou por SC, RS, PR, MT, Argentina, Paraguai, Uruguai e Peru. Depois disso, ele se embrenhou pelas matas da Amazônia. Foram ao todo, 38 mil quilômetros de caminhadas. Pelo caminho, ele havia deixado a barba crescer, passara a usar os cabelos longos e a vestir uma batina franciscana amarrada na cintura por uma corda. Sob a batina ele portava um cilício ou um cinturão de pregos e nas mãos ele carregava uma cruz de madeira que pesava 13 quilos. Sua figura era impressionante e seus seguidores o comparavam a Jesus Cristo. Agora ele se dizia chamar José Francisco da Cruz, o irmão José da Cruz.
Aos seus fiéis, ele dizia que durante as suas caminhadas pelas savanas do Paraguai ele havia sido atacado por uma tribo de índios botocudos. No caminho, ele havia enfrentado crocodilos e onças pintadas, bem como um grande monstro negro que soltava chamas pela cara. Na travessia pelos pampas gaúchos, ele havia sido acompanhado por um gemido alto e incessante, que não lhe abandonava, mesmo quando José suplicava ao espírito que ele lhe dissesse o que queria. Ao ingressar nas selvas da Amazônia, ele havia tido contato com várias tribos hostis, mas saíra sempre ileso. Diziam que, em uma de suas pregações, ele havia feito o milagre da multiplicação dos frangos e da farofa para alimentar os fiéis. Por todos os lugares onde passava, ele plantava imensas cruzes de madeira e deixava seguidores.
Quando enfim José entrou na Amazônia brasileira vindo do Peru, ele chegou com a fama de fazedor de milagres, e atraía multidões por onde passava. Os ribeirinhos passaram a segui-lo de barco em suas peregrinações pelos rios da Amazônia, formando uma procissão fluvial atrás de José da Cruz. Pouco depois ele fundou uma seita messiânica e apocalíptica, a qual ele deu o nome de Irmandade de Santa Cruz. Os milhares de fiéis conquistados pelo irmão José da Cruz deviam se abster de bebidas alcoólicas, não participar de festas nem de danças. As mulheres que lhe seguiam tinham poucos direitos e, quando menstruadas, não deviam frequentar a igreja.
Quando em 1971, ele desembarcou nas margens do rio Juí, declarou que ali se situava o Evary, o paraíso de seu povo, e resolveu instalar-se naquela região, mesmo ficando distante de mais de 250 quilômetros da maioria de seus seguidores. Naquele local ele fundou uma comunidade, a Vila de UPA, que declarou ser a sede espiritual da sua Ordem. Com o dinheiro proveniente de doações e do dízimo coletado de seus fiéis, José construiu uma igreja, um hospital e um asilo, tudo muito simples, erigido sobre palafitas, para enfrentar as épocas de cheia dos rios.
Nessa época José vivia sozinho em sua casa, apenas acompanhado de dois meninos adolescentes. Ele tinha aversão às mulheres, pois dizia que Satanás tentava o homem através delas. Já não dormia mais do que 3 ou 4 horas por dia, e se alimentava frugalmente. Recebia os fiéis apenas de dia, e dificilmente olhava nos olhos de seus ouvintes. Passara com o tempo a se comunicar utilizando uma mistura de português e línguas indígenas, difícil de ser entendida pela maioria das pessoas. Além disto tinha problemas de dicção e falava muito baixo, como que para si mesmo. Às vezes tinha surtos e passava a falar aos gritos, com seus olhos arregalados, apontando o dedo indicador aos seus ouvintes. Sempre que saía de casa em direção à sua igreja, situada a 100m de distância, ele fechava a porta cuidadosamente. Às vezes até mesmo a pregava.
José da Cruz morreu aos 72 anos de idade, deixando o seu legado para Walter Neves, descendente de Omaguas. Apesar de quase ter desaparecido após a sua morte, a Irmandade de Santa Clara sobreviveu e hoje ela vive um novo apogeu. A irmandade possui seguidores em 109 aldeias da Amazônia brasileira, em 52 comunidades indígenas do Peru, e até mesmo na capital, Lima. Nesta fase recente de expansão, ela chegou à Argentina, onde foi criada uma missão em Buenos Aires. Dos quase 20 mil seguidores que há atualmente no Brasil, a metade são índios Ticunas. Com as mudanças feitas por Walter Neves na hierarquia da Igreja, o número de índios nos cargos eclesiásticos aumentou e, com isto, finalmente, os índios viram aumentar a sua independência de seus patrões, uma herança maldita dos tempos do Ciclo da Borracha, quando a crença em Jesus Cristo tinha sido vista pelos donos dos seringais como uma forma de controlar os índios que tentavam se rebelar contra a opressão. Desde então, os patrões brancos exerciam uma dupla liderança, religiosa e econômica. Quinze anos após a criação da Irmandade de Santa Clara, os índios finalmente se sentiam livres para questionar esta dominação.
Veja abaixo o video YouTube sem autor identificado onde aparece o Irmão José da Cruz na Vila de UPA: