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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Os problemas urbanos de Paris datam da Idade Média. O palácio de Versailles foi construído por Luis XIV em local fora do alcance dos ventos mal-cheirosos que vinham de Paris devido à falta de saneamento da cidade e à presença de terrrenos pantanosos. O arranjo das ruas e a proximidade das casas na capital tornava impossível a circulação do ar, a coleta do lixo, o manejo do esgoto e a entrada de luz. Paris crescera como um caracol, enrolada em torno do seu eixo. Isso, à despeito de todas as obras que se seguiram, ainda pode ser observado no mapa. A cidade apresenta até hoje vestígios das três muralhas que a cercaram, construídas uma após a outra, à medida que a cidade extravasava o seu limite anterior.
No século XIX, Napoleão III, extasiado com a reurbanização levada à cabo em Londres após o grande incêndio que devastou a cidade no séc. XVII sonha fazer o mesmo em Paris, que ainda guardava à essa época os traços da Paris medieval. Entra em campo o barão Haussman, prefeito de Paris que, com sua obsessão pelas linhas retas e espaços públicos, sai destruindo tudo o que se encontra em seu caminho. É a haussmanização da cidade. Vão-se as vielas e as cabeças-de-porco, mas também se vão prédios históricos, igrejas e jardins. Haussmann é apelidado de Átila pelos parisienses, devido à destruição de quase 60% da cidade. Em seu lugar foi construída uma infinidade de prédios de 6 andares, quase idênticos, com suas fachadas entalhadas em rocha carbonática de cor creme.
Na década de 60 a cidade é assolada por uma nova onda urbanizadora devido à escassez de imóveis. Dessa vez o poder público removeu cirurgicamente a imensa favela que se estendia dos limites de Paris até Nanterre. Essa favela deu lugar à La Defense, o quarteirão de arquitetura futurista, que hoje abriga o distrito financeiro de Paris.
É nessa cidade eternamente atormentada pela falta de moradia que eu vim passar um ano. Achar apartamento para alugar não foi nada fácil. Por isso, quando eu descobri o meu quartinho com uns móveis mais apropriados para serem usados como lenha, eu dei um sorriso colgate à proprietária e assinei corrrendo o contrato de locação, sem dar bola aos detalhes inúteis... A cada aluguel pago, um recibo assinado. Na lateral do recibo, vinham marcados os custos adicionais incluídos no valor do aluguel: calefação, condomínio, água e "éclairage".
Seis meses depois de assinar o contrato de aluguel, eu disse SEIS MESES, eu encontro uma cartinha do fornecedor de energia elétrica dentro da minha caixa postal. "Estive aqui e verifiquei que o seu relógio de luz está ligado, mas não há nenhum contrato assinado com a fornecedora de energia elétrica. Daqui a dois dias voltaremos para desligar a sua luz". "O que?", digo eu à guardiã, "Como não há nenhum contrato? O meu consumo de luz está incluído no aluguel! Está lá escrito com todas as letras: éclairage". A guardiã se escondeu em casa rapidinho, temendo que eu aprontasse um barraco. Eu fui checar meus recibos, e lá estava éclairage com um tick do lado. Bem, talvez éclairage queira dizer outra coisa. Saí à campo para perguntar, mas ninguém sabia me dizer o significado. O marido da guardiã me disse que éclairage deve ser a iluminação dos corredores do prédio.
Liguei correndo para a companhia de luz elétrica e disse que eu tinha acabado de me mudar para um apartamento e gostaria de contratar o fornecimento de energia. E assim foi feito. Quem manda eles fazerem economia de pessoal? Se tivessem um número razoável de funcionários para ler os medidores de consumo, todos nós teríamos descoberto esse mal-entendido mais cedo.
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Tags: problemas urbanos paris

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