Encontrei a plenitude numa mata de abacateiros
Aos 25 anos, me sinto finalmente mulher! Dona do meu próprio nariz, livre e confiante. A bolsa de mestrado que recebo é suficiente para pagar todas as minhas despesas, e, enfim, moro só. O apartamentinho que aluguei embaixo da garagem de um prédio, lá pras bandas da Igreja do Rosário, não é grande coisa. Para passar da sala para a cozinha tenho de sair do apartamento, atravessar o hall de entrada e entrar na cozinha por uma outra porta externa. A janela do meu quarto dá para o rio que desce o morro desde o hospital municipal situado lá no alto, e escorre turbulento nas noites de tempestade. Um dia este rio há de transbordar pela minha janela adentro.
Esta noite fizemos a rota dos bares. Para dissipar a tensão de uma semana de provas, acabo exagerando na pinga com mel. Às duas da manhã, antes que seja tarde demais para achar o caminho de casa, tomo enfim coragem de interromper o longo monólogo de um desconhecido que,sentado a meu lado, me descreve as sofrências de sua vida passada, quando era escravo e habitava os porões de uma daquelas casas que ficam ali ao lado da ponte de pedra perto da rua do Pilar. Meus amigos se afastaram, todos já conhecem esta história.
Volto a pé para casa, caminhando sozinha pelas ladeiras de Ouro Preto. Me sinto confiante, dona do meu destino. Corto caminho por uma quebrada em forma de escada íngreme de pedra talhada que atravessa uma mata de abacateiros, goiabeiras e pitangueiras. Parece uma floresta de tão densa! A escada me conduz a um córrego que corre ligeiro em cascata sobre umas lajes de pedra grandes e passa mais adiante por baixo de uma ponte em arco. Finalmente chego a uma clareira na mata, onde o rio faz uma curva e se espraia, depositando em suas margens uma barra de areia muito branca. A lua, finalmente liberta do seu casulo de nuvens, cai novamente presa do banco de areia, enchendo de magia este pequeno remanso. Tanta beleza me provoca um arrepio, e os últimos vapores alcoólicos enfim se dispersam no ar.
Semana passada encontrei neste mesmo recanto um garimpeiro que, de bateia na mão, procurava pepitas de ouro, sonhando com uma vida melhor. Eu dispenso a bateia, pois neste momento não consigo imaginar nada melhor do que a minha vida atual. O que será que o futuro me reserva?