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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Doppelgänger (cap. 2)

Uma das irmãs se surpreende com uma chamada telefônica. Neste momento, sua sósia entra na sala.

- Alô? Eu gostaria de falar com a Lúcia.

- É ela quem está falando.

- Aqui quem fala é a Ludmila. Eu recebi um recado seu através de uma amiga fisioterapeuta, pedindo para ligar para você.

- Vamos nos encontrar? Eu gostaria muito de conhecer você e acho que temos muito o que conversar. 

- Tudo bem! O que você acha de fazermos uma caminhada no calçadão de Copacabana? Daqui uma hora está bom para você?

 - Sim, até já!

 Com base em nossa primeira conversa, eu percebi que minha sósia era simples e direta como eu. Quando nos vimos pela primeira vez, ela desatou a chorar. Diferente de mim, ela não se envergonhava de mostrar suas emoções em público... Embora, de início, a reação dela tenha me deixado desconcertada, aquilo foi como uma libertação. Quando começamos a contar uma à outra as nossas histórias, não paramos mais. Passamos horas e horas sentadas em um banco do calçadão, junto à estátua de Drummond. Vez ou outra, alguém passava cochichando e apontando o dedo para nós: tão semelhantes e tão absorvidas estávamos na nossa conversa, que chamávamos a atenção dos demais passantes. 

 Nós éramos realmente muito parecidas, apesar de termos mães distintas. Tínhamos nascido com 8 meses de diferença. A mãe da Ludmila era uma enfermeira que trabalhava embarcada junto com meu pai. Quando eles se conheceram, meu pai já era casado, mas disse estar em processo de separação. Só que o divórcio nunca veio, mas, mesmo assim, eles dois passaram a viver juntos quando Ludmila nasceu. Meu pai passava parte das suas folgas morando com sua esposa oficial, e parte, com ‘a outra’.

 Descobrimos que ele chamava nós duas de Lulu, suas princesas, mas as semelhanças param por aí. O pai que Ludmila conheceu era noveleiro, gostava de cozinhar e era carinhoso com sua mãe. Pelo menos nos primeiros anos ele era assim, depois as coisas mudaram. Seu programa de televisão predileto era o “Sister Wives”, um reality show sobre a vida de um homem bígamo e suas quatro esposas.  “Ao final de cada capítulo, meus pais sempre começavam a brigar”, me confidenciou Ludmila, “Eu achava aquela briga tão idiota! Nunca entendi a razão. Invariavelmente a briga deles terminava com minha mãe saindo da sala e batendo a porta. Neste momento, meu pai sempre me lançava um dos seus sorrisos cativantes e me dizia ‘Para que complicar a vida? Tudo poderia ser tão simples!’  Eu não entendia bem do que meu pai estava falando, mas com certeza aquela briga era mais uma das ‘loucurinhas de mamãe’. 

 Já o pai que eu conheci era boêmio. Quando desembarcava da plataforma vinha sedento por retomar sua vida social. Nestes períodos, ele seguidamente chegava em casa de madrugada, meio ébrio. Ludmila me confidenciou que nos últimos seis anos de sua vida, ele havia mudado. Também passara a se ausentar de casa por várias horas e a retornar de madrugada bêbado nos períodos em que morava com ela e sua mãe. “Algumas vezes ele estava tão fora do ar que confundia o meu nome. Ao invés de Lulu, ele me chamava de Luciana. Mas eu nunca dei bola, sabia que à hora do café da manhã, tudo teria voltado ao normal”. “Luciana?”, perguntou Lúcia, “Engraçado, ele cometia o mesmo engano comigo”. 

 Embora Lúcia e Ludmila tivessem ficado chocadas com a descoberta da vida dupla de seu pai e de todas as artimanhas dele para manter uma aparência de normalidade em suas vidas, elas o desculparam. “O pobrezinho devia ser muito infeliz no casamento, e não teve coragem de me deixar morando sozinha com minha mãe, uma mulher mais preocupada com seus amantes do que com a sua família”, comentou certa vez Lúcia com sua irmã. Além disso, nada poderia ser mais gratificante do que a descoberta delas, já na vida adulta, de que possuíam uma irmã, com quem tinham muitas afinidades. Ainda mais sendo filhas únicas, acostumadas a uma infância e adolescência solitárias.

 Elas passaram a se encontrar duas vezes por semana e a se falar todos os dias por telefone. Seus temas de conversa pareciam ser inesgotáveis. Em um destes dias em que Ludmila fora à casa de sua meia-irmã para fazer o lanche da tarde, o telefone tocou à hora que Lúcia estava passando o café. “Por favor, eu gostaria de falar com Lúcia”, disse uma rjovem quando Ludmila atendeu o telefone. “Quem está falando?”, ela perguntou. “Meu nome é Luciana e ela não me conhece, mas eu tenho um assunto muito delicado para tratar com ela”. 

 Ludmila, com a cara branca de um fantasma, deixou o telefone cair no chão.

- Filho da puta, ela gritou, enquanto lançava um cinzeiro de vidro contra a foto de seu pai pendurada na parede. 

- O que foi? Lúcia, perguntou ao entrar correndo na sala logo que ouviu o barulho dos vidros se estilhaçando. 

- Acho que agora só falta descobrir mais quatro, respondeu Ludmila aos prantos. 

- Do que você está falando?

- Das sósias, Lúcia, das sósias.

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Tags: sósiabigamiatraiçãofilho únicosolidão

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