Doppelgänger (cap. 1)
Desde o mês passado, eu tenho feito uma busca frenética que me ocupa a mente noite e dia. Me sinto obcecada pelo assunto, e, na minha família, ninguém mais aguenta me ouvir falar disto. Especialmente minha mãe... Neste meio tempo, fiz uma longa pesquisa na internet e descobri que há uma crença disseminada de que cada um de nós pode ter cerca de 7 sósias espalhados pelo mundo, os chamados doppelgänger, com quem você pode, ou não, compartilhar o seu código genético. Será que desta vez eu finalmente encontrarei minha sósia?
Há muito tempo que as pessoas comentam comigo que conhecem alguém igualzinha a mim, mas que vive em uma parte da cidade aonde eu nunca vou, ou que faz um outro trabalho que não tem nada a ver com o meu. Desta vez, o comentário foi feito por uma fisioterapeuta, enquanto ela me atendia. Ela disse que a minha sósia tinha sido amiga dela no passado. Achei que essa oportunidade era boa demais para deixar escapar, e pedi a minha fisioterapeuta que entregasse um recadinho a sua ex-amiga. Desde então aguardo a resposta.
Aguardo a resposta sentada, o que não me parece de bom augúrio. Sabe aquela expressão “pode esperar sentada”, que usam sempre que o desfecho parece impossível? Mas eu não estou sentada à toa. Devido à minha profissão, vivo lesionada. Mas desta vez a coisa foi séria. Sou jogadora de vôlei profissional. Tenho me dedicado ao vôlei desde que meu pai morreu e entrei em depressão. O médico me recomendou fazer um esporte como forma de superar a depressão e arrumar amigos. Aqui estou, uma jogadora lesionada. Porém os amigos...
Meu pai era um plataformista, trabalhava na extração de petróleo, embarcado em alto-mar. O salário era bom, o que fazia dele um herói em nossa família, mas tinha a desvantagem de que somente o víamos durante as suas folgas. Eu cresci assim, usufruindo da companhia dele apenas uma semana por mês. Quando eu era pequena, isso era motivo de brigas constantes entre ele e minha mãe. Por trás da porta fechada eu a ouvia gritar “Para onde você vai durante as suas folgas?”. Isto não fazia sentido àquela época, mas hoje...
Depois de um tempo, as brigas cessaram. Minha mãe nesta época vivia de bom-humor, embora meu pai continuasse morando conosco apenas uma semana por mês. Ela, que antes era econômica, passou a gastar boa parte do salário dele em roupas bonitas e no salão de beleza. Frequentemente passava as tardes fora de casa, voltando somente à noitinha. Quando meu pai retornava para casa nas folgas, ele me enchia de presentes, me mimava como a uma princesa. Todos os nossos parentes diziam que nós éramos uma família de comercial de margarina! Nestas ocasiões, a voz dissonante de uma tia solteira insistia em comentar que os dois pareciam ‘tão frios um com o outro’. Mas alguém sempre replicava que, decerto quando as luzes se apagavam no quarto, se acendia um vulcão, o que sempre provocava gargalhadas e encerrava a questão. Aqueles tempos foram realmente felizes!
Cresci assim, mimada e criada no seio de uma família estável e feliz, até que um dia, de súbito, soube que meu pai tinha morrido durante um incêndio na plataforma de petróleo. Minha mãe reagiu de modo estóico. Poucas lágrimas rolaram em sua face irrepreensivelmente maquilada durante o velório. Já eu... eu não podia continuar chorando pelos cantos como vinha fazendo desde então. Algo tinha de ser feito urgentemente. Uma pessoa educada não deveria exibir em público as suas emoções! Foi por isso que aos 16 anos, me receitaram calmantes, comecei a frequentar o psicanalista e a jogar vôlei três vezes por semana. Rapidamente a paz voltou a reinar lá em casa. Seis meses mais tarde, minha mãe se casava novamente. “Foi uma paixão fulminante”, dizia ela com um sorriso de Monalisa a todos os que emitiam qualquer comentário sobre o assunto.
Em pouco tempo, as coisas se complicaram lá em casa. Meu padrasto era um homem terrivelmente ciumento e fazia comentários cáusticos sobre qualquer característica de minha mãe que lhe incomodasse, ou seja, quase tudo. Eu já não reconhecia a minha mãe de outrora. Ela agora era uma mulher murcha, sem vaidade, nem alegria, que jogava o seu veneno sobre mim na primeira chance que surgia. O ambiente se tornou opressivo, e para fugir dele, eu me casei aos vinte anos com um piloto de avião. Uma lição minha mãe havia me ensinado com perfeição: para um casal permanecer feliz, é preciso que cada um tenha a sua vida. A alternância de viagens e folgas no regime de trabalho de meu marido fazia dele o homem ideal.
O que eu não esperava sentir em minha nova vida de casada, foi a solidão com a qual eu me deparei pouco tempo após a lua-de-mel. Meu pai, falecido, minha mãe, murcha, meu marido, ausente e a inexistência de amigas próximas ou de uma irmã fizeram com que eu fosse vítima de uma nova crise de depressão. Foi em meio a esta crise que eu ouvi o comentário da minha fisioterapeuta. Na falta de mais nada para me ocupar durante o período em que eu estava lesionada, mergulhei de corpo e alma na busca da minha sósia.
No site da BBC, vi várias notícias sobre pessoas que tinham descoberto ao acaso o seu doppelgänger. Em muitos casos, eram pessoas idênticas, mas que não tinham qualquer relação, nem mesmo ancestrais comuns. Em outros casos, eram irmãos gêmeos que haviam sido criados por famílias diferentes e que não tinham ouvido falar um sobre o outro até então. Em um curto espaço de tempo, eu mandei inúmeras mensagens a minha fisioterapeuta, relembrando-a do meu pedido de que repassasse uma mensagem minha a sua ex-amiga, caso soubesse do seu paradeiro. Até que hoje à tarde, quando o telefone tocou, eu fui surpreendida por uma voz idêntica à minha. Era ela que agora me procurava.
Para ler o último capítulo desta novela, por favor clique aqui.
Voltar