As Glórias do Cine Jóia
Fiquei chocada hoje ao descobrir que o Cine Jóia fechou. E o que é pior, isto ocorreu há quase 6 anos, de modo quase despercebido. Local emblemático da vida cultural da zona sul do Rio de Janeiro, despretensioso, e com programação variada e de alta qualidade, foi durante muito tempo um dos meus cinemas prediletos enquanto morei naquela cidade.
Ao frequentar as sessões de cinema de domingo, dois espetáculos eram garantidos. Não estou falando aqui de sessão dupla de cinema, mas sim do espetáculo cinematográfico exibido na tela e do espetáculo constituído pela fauna variada que habita Copacabana.
O bairro onde este cinema se situa, como todo destino turístico famoso, não é para não-iniciados. É preciso trabalhar com afinco para remover as camadas superficiais do lixo com que o turismo de massas cobriu aquela joia nas últimas décadas para que seja possível redescobrir o seu brilho. Espremida entre favelas e o mar, ele conta com uma vida noturna vibrante, grande oferta de programas culturais, clima ameno e vestígios do glamour dos anos 1950. Todas estas vantagens atraíram nas últimas décadas hordas de indivíduos da terceira idade de todo Brasil, que para lá migraram na esperança de usufruírem seus últimos anos de vida.
O Cine Jóia, como não poderia deixar de ser, era um ponto de encontro dos moradores mais idosos de Copacabana, que insensíveis às vantagens do video streaming, permaneciam fiéis à magia das telas de cinema, à pipoca com guaraná e ao flerte descompromissado nas salas escuras durante as tardes de domingo.
Escondido no fundo de um centro comercial da Av. Nossa Senhora de Copacabana, entre butiques demodés, sex shop e óticas, o Cine Jóia podia passar despercebido aos desavisados. Nada mais do que uma portinha de vidro e uma bilheteria, que só se abriam minutos antes da sessão começar. Enquanto isso não ocorria, o grupo de espectadores que ia se espalhando pelos corredores do centro comercial se observava discretamente e fofocava à meia voz.
Lembro bem do último filme que vi naquele cinema. A sala naquele dia estava cheia. O público se agitava nas poltronas, ansioso para começar a assistir à versão chilena de “Gloria”, dirigida pelo cineasta Sebastián Lelio e estrelada por Paulina Garcia. Nada a ver com a versão mais recente dirigida pelo mesmo cineasta e estrelada por Julianne Moore. Nele, uma mulher de 58 anos sexualmente ativa desbanca a visão tradicional de uma mulher desta idade, preocupada exclusivamente com o cuidado com os netos e as tarefas do lar. Glória é uma mulher que luta pelo seu direito à uma vida com prazer. Todos os fins de semana ela vai aos bailes da terceira idade em busca de aventuras.
Em um destes bailes, Glória conhece Rodolfo um homem divorciado, com quem começa a namorar. Porém, ela acaba sendo abandonada de modo humilhante pelo seu novo amante quando ele resolve voltar para sua ex-mulher e filhos. Após uma vingança apoteótica, Glória ressurge, profundamente deprimida, na pista de uma discoteca. Em uma cena final emocionante, ela redescobre o prazer de viver ao som de ‘Gloria’, um hit dos anos 80 cantado por Laura Branigan.
Ao se acenderem as luzes da sala do cinema, todas as espectadoras começaram a dançar no espaço exíguo entre a tela e a primeira fila de poltronas, embaladas pela trilha sonora do filme. Todas elas radiantes, de alma lavada pela vingança espetacular de Glória contra os Rodolfos da vida e pela sua demonstração de um inesgotável prazer de viver. Naquela tarde, reparei boquiaberta que o público era quase exclusivamente feminino. Havia apenas dois homens, que acompanhavam estáticos, acuados junto à porta de saída, aquela cena impressionante.
Hoje, ao saber que o Cine Jóia fechou, senti uma pontada de tristeza pelo desaparecimento de mais um dos raros pontos de encontro da comunidade de Copacabana que ainda sobrevivem. Me pergunto onde será que as Glórias da vida agora se encontram?
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