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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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Adorável Taxista

 


“Dona Sônia, bom dia! Desculpe o atraso, fiquei preso no trânsito. A Nilo Peçanha estava muito engarrafada essa manhã. São estas malditas obras que não terminam nunca. Eu já estava ficando nervoso, pois sei como a minha passageira predileta valoriza a pontualidade!”

 

 

“Não é assim tão grave, Silva. Todo mundo se atrasa um bocadinho de vez em quando. E hoje eu não tenho paciente no primeiro horário. Estava indo ao banco conversar com o meu gerente, mudar alguns investimentos. Mas olha, te trouxe um presentinho da minha viagem a trabalho a Buenos Aires. Uma lembrancinha, coisa boba. Senti tanta falta da sua gentileza, você nem imagina. Andei muito de taxi por aquela cidade, mas sofri com o comportamento rude dos motoristas portenhos. Estou tão acostumada com você, sempre tão educado e prestativo. À medida que a gente vai ficando velha, passa a dar valor a essas coisas. Na próxima vez... bem, estou aqui com umas ideias. Depois lhe falo.”

 

 

“Que carteira bonita, dona Sônia, muito obrigado. Vou andar sempre com ela no bolso do peito, para ela não deformar. Eu não estou acostumado a ter coisa tão fina assim. Nem meus pais me tratavam tão bem. Tive uma infância solitária, meus pais não ligavam muito para mim.”

 

“Por falar em pais, como está aquele casal de idade que vive chamando você pelo celular enquanto você dirige? Da última vez que entrei no seu taxi, a dona Sônia não parava de lhe falar sobre os problemas com a campainha da porta e de como ela tinha gostado do passeio que você, ela e o marido fizeram juntos à Gramado.”

 

“Dona Clara e seu Artur? Ah, eles são gente muito fina. Os dois tem 85 anos e são muito ricos, moram em uma cobertura e, como não tem filhos, me ligam sempre que precisam de alguma coisa. Noite passada mandaram um Uber me pegar em casa. Fui lá consertar a campainha, depois saímos para jantar fora. Semana passada eu vendi o carro dele pelo site da OLX. Eu queria comprar o carro deles, mas eles não deixaram: imagine botar carro velho na praça!  Em troca me deram 5 mil reais por ter intermediado a venda.”

 

“Que bacana, Silva. Você os trata como se fosse filho. Eles devem te adorar! Mas vem cá, me diz uma coisinha, tua mãe não fica invejosa deles? Eu, no lugar dela, ficaria.”

 

“Fica não, ela nem liga. Ela vive ocupada com os netos. Só pensa neles...Antes desse casal, eu cuidei por 20 anos de uma outra senhora. Ela morreu dois anos atrás, aos 98 anos. Eu fazia as compras de supermercado e de farmácia, os pagamentos no banco, tirava dinheiro pra ela, levava ao médico. A casa que eu moro hoje, eu devo a ela. Um dia eu comentei com ela que eu adoraria comprar a casa vizinha à dela, mas que eu não tinha todo o dinheiro. Eu já estava de olho naquela casa há um tempo e sabia o preço dela. Um mês depois, ela me chamou de lado e me entregou a escritura da casa. A casa era dela e eu nem sabia!”

 

“Sei. Sinal que ela confiava muito em você”

 

“Ah, confiava sim. Ela me pedia até para fazer os pagamentos no banco, levar e trazer os documentos ao seu contador e ao seu advogado. É muita maldade enganar alguém assim tão indefeso, a senhora não acha? Eu sou um cara honesto, saudável, não jogo nem bebo. Nem sou mulherengo.”

 

“Ah, não me engana, Silva. Você é muito boa pinta. Com esse cabelo cacheado e olhar doce, você deve fazer sucesso com as mulheres.”

 

“Que é isso, dona Sônia! Sou um homem caseiro. Sou eu mesmo quem faz a minha comida e cuida da casa. Aliás, se eu tenho defeito sério, é este. Cozinho mal. Só como miojo; não posso mais nem sentir o cheiro dessa massa.”

 

“Qual é mesmo o teu primeiro nome?”

 

“Gabriel, dona Sônia.”

 

"Me chama de Sônia. Gabriel, eu mudei de ideia. Vamos voltar para minha casa que eu vou preparar um almoço para você. Com direito a um vinhozinho francês e, quem sabe, uma sobremesa.”

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Tags: cuidador de idosostaxisolidão

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