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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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A vida inacreditável de Teodora de Bizâncio (cap. 2)

Este é o segundo capítulo da novela "A vida inacreditável de Teodora de Bizâncio, a imperatriz libertina". Para ler o primeiro capítulo, por favor clique aqui.

Após algum tempo vivendo uma rotina de privações e preces em uma pequena comunidade perdida em meio ao deserto, Teodora resolveu voltar para a cidade onde havia se criado. Ela, contudo, não era mais a mesma mulher, e agora não poderia mais voltar a prestar favores sexuais aos seus clientes. Ela sonhava levar uma vida casta.

Antonina, sua amiga de longa data e sócia na casa de meretrício, arrumou para ela um trabalho de fiandeira em uma tecelagem próxima ao Hipódromo. Teodora agora passava os dias a fiar em uma roca, sentado bem junto à porta para evitar o tédio. Dali ela acompanhava tudo o que se passava ao seu redor e, como continuava sendo uma mulher muito bonita, chamava a atenção dos passantes, inclusive dos mais poderosos. As roupas e o comportamento de Teodora haviam mudado, mas ela continuava com a mente de uma estrategista...

fiandeira

 O Hipódromo de Constantinopla era um dos mais importantes centros de entretenimento e vida pública da cidade, e podia abrigar até 60 mil espectadores, além de possuir um camarote luxuoso com estatuas de cavalo de bronze no teto destinado aos imperadores. Na pista central de areia eram disputadas as corridas de bigas e as lutas. Os concorrentes das disputas eram apoiados por diferentes partidos políticos, e estas frequentemente terminavam em matanças. Havia diferentes facções que disputavam os prêmios, mas as principais eram a Verde, apoiada pelos mercadores, e a Azul, pela aristocracia.

hipódromo

Em dias de lutas, de corridas ou de apresentações artísticas, a rua em que Teodora trabalhava transbordava de gente à caminho do Hipódromo. Foi num destes dias que ela conheceu Petrus Sabbatius. Era um homem baixo, de 39 anos de idade, com o tronco bem torneado, cabelos encaracolados e rosto cinzento devido à barba. Embora não fosse belo, ele tinha seu charme, ainda que grande disso se devesse ao seu uniforme da guarda imperial. Mas nem a roupa engalanada era capaz de disfarçar seu mais grave defeito: Petrus tinha um ‘je ne sais quois’ de tosco.

Ele era um homem simples, filho de agricultores, e teria levado uma existência humilde no campo se não tivesse sido adotado pelo seu tio Justino. Após a adoção, seu nome foi modificado para Justiniano e ele recebeu uma educação primorosa. Embora frequentasse a corte do Imperador Anastácio, ele nunca se integrou plenamente à elite governante do império, permanecendo fiel às suas origens. Alguns o chamavam jocosamente de “parvenu”, termo depreciativo equivalente ao atual “novo-rico”.

Naquele dia em que eles se viram pela primeira vez, Justiniano vinha descontente com sua própria vida. Ao ver Teodora sentada ali à porta da tecelagem, iluminada por um único raio de sol que filtrava por entre os toldos das lojas, ele caiu de amores por ela. Foi como se sua vida passasse a fazer sentido naquele momento. Apesar das roupas recatadas e da condição humilde de uma tecelã, ela se portava com altivez. Ela, que já enfrentara ursos enlouquecidos e homens violentos, não tinha medo de mais nada. E isso ficava claro no seu olhar. Teodora tinha toda a autoconfiança e a dignidade que faltavam à Justiniano.

Esse logo resolveu se casar com Teodora, embora o passado dela pudesse se tornar um problema para a sua carreira militar e vida pública. Apesar da sua boa intenção, nada pôde ser feito, pois havia dois entraves sérios para o casamento: havia uma lei que proibia os funcionários do governo de se casarem com artistas, e Eufêmia, uma mulher religiosa, de caráter pudico e tedioso que era casada com seu tio Juventino, se opunha firmemente a esta relação.

Porém as coisas se arranjaram com o tempo. Logo após a subida de seu tio Justino ao trono, as leis que impediam o casamento de Justiniano foram alteradas. Cinco anos mais tarde, sua tia Eufêmia morreria de causas naturais, e com isto as últimas barreiras ao casamento foram removidas, pois seu tio gostava muito de Teodora. Os amantes puderam enfim oficializar a sua relação!

O próprio Imperador Justino era de origem tão simples quanto a de seu sobrinho. Porém, ele dera sorte ao se juntar à guarda militar do Imperador Anastácio durante a invasão dos hunos e ter uma carreira militar brilhante. Sua devoção à família imperial foi recompensada com a sua escolha pela guarda militar e pelas tropas para suceder Anastacio, quando este morreu sem deixar herdeiros. 

O poder de Justino e a dedicação exemplar de Justiniano ao trabalho fizeram com que este tivesse uma carreira meteórica durante os nove anos em que seu tio regeu o império. De integrante da guarda imperial, ele passou a Mestre dos Soldados e das Unidades de Cavalaria e Infantaria, a Cônsul, Patrício, Nobilíssimo e finalmente à César, sem nunca ter participado em nenhuma campanha militar. Tornou-se o candidato natural à sucessão de Justino, sendo eleito o novo imperador no dia de Páscoa do ano de 527 DC, aos 45 anos.

Talvez por considerar-se desmerecedor do cargo que ocupava, Justiniano trabalhava de modo árduo e incansável, ficando praticamente sem dormir durante longos períodos. Ele tinha a reputação de ser um líder extremamente comprometido com os seus deveres, envolvendo-se pessoalmente em vários aspectos da administração.

Logo Teodora também se mostrou uma governante hábil. De caráter forte e cheia de ideias próprias, ela lutou pelo reconhecimento dos direitos da mulher. Uma série de novas leis foram criadas para proteger as mulheres e dar a elas igualdade de direito aos homens em vários quesitos legais. A prostituição foi proibida e os bordéis foram fechados, sendo as ex-prostitutas mandadas para instituições criadas especialmente para protegê-las. Ela também instituiu pena de morte para o estupro, e proibiu o assassinato de mulheres culpadas de adultério. Além disso, foi proibido o abandono das crianças indesejadas.

Porém, apenas cinco anos após eles se tornarem imperadores, havia uma insatisfação generalizada contra os impostos excessivos que estavam sendo cobrados do povo para viabilizar a construção da Basílica de Santa Sofia. Além disto, a violência excessiva de membros das facções Verde e Azul durante as lutas no Hipódromo de Constantinopla tinham culminado na condenação à morte daqueles que praticaram os assassinatos durante as brigas. Embora o povo tivesse pedido clemência ao Imperador, ele recusou, causando o enfurecimento das torcidas. Deste modo, a situação acabou degenerando em uma revolta generalizada que assustou o Imperador a ponto de fazê-lo pensar em fugir do local.

Foi então que Teodora se dirigiu ao Imperador e às suas tropas dizendo "Quanto a mim, prefiro a antiga admoestação: a púrpura é um belo sudário. Se o imperador deseja salvar-se na fuga, será fácil. Temos muito ouro; o mar está à mão; os barcos estão prontos. Mas guardem-se os que já se sentaram no trono, de sobreviverem à perda dele! Pois eu, por minha parte, acredito que não será adequado que eu fuja. Se devo morrer, que seja como imperatriz."

O discurso de Teodora reverteu a situação, convencendo Justiniano a enviar suas tropas para conter os revoltosos, resultando no assassinato de 30 mil espectadores e na destruição parcial de Constantinopla. Este evento ficou conhecido como a Revolta de Nika.

Após a revolta ser controlada, Justiniano e Teodora lideraram a reconstrução de Constantinopla, que se tornou a cidade mais esplêndida do mundo por séculos, passando a exibir uma profusão de aquedutos, pontes e igrejas. O papel de Teodora como corregente jamais foi contestado devido ao seu passado libertino, na verdade todos se curvavam a ela como se fosse uma Deusa. Este, aliás, era o comportamento exigido pelo casal de imperadores: todos deveriam se prostrar à sua frente.

Teodora morreu de câncer de mama aos 48 anos de idade, após exercer o poder por um quarto de século. Dizem que seu marido chorou copiosamente durante o funeral. Ele ainda exerceu o poder por mais dezessete anos, sendo sucedido em sua morte por seu sobrinho Justino II. Contudo o Império Bizantino passaria a enfrentar sérios problemas, tais como invasões e dificuldades econômicas, que resultaram no fim do seu período glorioso.

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Tags: revolta de nikahipódromo de Constantinoplabasilica de santa sofiaJustiniano ITeodora de Bizâncio

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