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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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A lei do eterno retorno (O ninho do Cuco III)

 


Que linda esta escultura que a Ana me deu! O ouroboros, o dragão que engole o próprio rabo. Este é o símbolo do eterno retorno, a teoria que diz que o universo e todos os seres que existem, ou existiram, voltarão a ocorrer de modo semelhante infinitas vezes ao longo do tempo e do espaço. Diz ainda que as pessoas também estão destinadas a continuar repetindo os mesmos atos indefinidamente, encontrando toda a dor e todo o prazer mais de uma vez nesta vida, e tudo na mesma ordem e sequência. Tudo isto está descrito nos livros de Nietzsche que a Ana adora.

 

 

 Os indianos e os egípcios da antiguidade também já acreditavam na lei do eterno retorno. Para dizer a verdade, eu também acredito. Acho que esse é o roteiro da minha vida, como naquele filme da marmota, sempre repetindo a mesma história. Mas nem sempre eu vi as coisas dessa maneira. Quando conheci Ana, eu tinha saído de um casamento completamente fracassado, onde já não existia mais amor, nem respeito, nem vontade de ficar juntos há muito tempo. Quando Ana surgiu, foi como uma lufada de ar puro, tudo era novidade. Descobri o que era amar uma mulher! Nós dois perdemos a cabeça e saímos tateando em busca de um estilo de vida que conseguisse acomodar o trabalho de nós dois, a distância e as crianças. Tudo havia mudado em minha vida, e eu havia conquistado uma segunda chance de ser feliz. Desta vez, eu tinha certeza disso, tudo iria dar certo.

 

 

Mas minha nova relação, mais uma vez, não resistiu às questões práticas da vida:  Sophie morria de ciúmes de Ana, nós dois não conseguimos achar um modo de reduzir a distância que nos separava, as passagens aéreas eram muito caras, minha ex fez o que pode para dificultar as coisas e a nossa comunicação era difícil. Ana dizia que eu não tomava iniciativa para mudar as coisas, que ficava aguardando as soluções caírem prontas no meu colo. Em pouco tempo começaram os mutismos e as caras fechadas. Tinha acabado a lua-de-mel, e tempos depois terminou a paixão. Foi daí que eu pisei na bola.

 

Quando Ana descobriu que tinha sido traída, ela sumiu na poeira. Não demorou muito para que eu me desse conta de que eu tinha perdido a grande chance da minha vida, pois nunca mais conheci outra pessoa por quem eu me apaixonasse do mesmo jeito. Sete anos depois, a roda do destino completou uma volta, e nós voltamos a nos encontrar. Havíamos amadurecido e já sabíamos quais dificuldades nos aguardavam. Resolvi que as dificuldades do dia a dia já não seriam mais problema, e passei a esconder dela os meus problemas.  Ela acabou me acusando de fugir do diálogo, de não ter com quem compartilhar os bons e os maus momentos. Disse que o que vivíamos era uma ficção, e se foi novamente, em busca de alguém com quem pudesse compartilhar a vida real.

 

Essa imagem do dragão acompanhado de um bilhete será o sinal de que a roda do destino completou mais uma volta? Quando Ana vem para a França, ela sempre fica hospedada no mesmo lugar, o Hotel Saint-Louis, no Marais. Vou lá encontrá-la, agora. Eu já deveria ter me acostumado com isso, a vida sempre nos dá uma nova chance. Para que desesperar e sair fazendo concessões cada vez que ela entra em crise? Eu sou do jeito que sou, e pronto. Um dia ela vai ter que me aceitar! Antes disso, deixa eu caprichar no look para entrar com o pé direito no terceiro ciclo da nossa história. Amor fati! Se o nosso destino é esse, que seja vivido com alegria e prazer.

 

“Como? O senhor tem certeza? Procure por favor mais uma vez na lista de hóspedes do hotel. Ela sempre se hospeda aqui. Ah, já fez check-out? Agora há pouco? Mas não é possível, eu tinha certeza de que ela estava a minha espera! Ela me deixou um recado para vir encontrá-la. Bem, não era exatamente um recado, mas quase... De qualquer maneira, obrigada pela informação.”  Quando eu te encontrar da próxima vez, Ana, vou ter de te explicar como funciona essa teoria. Mas, por enquanto, vamos ter de aguardar até a roda completar a quarta volta.

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Tags: eterno retornonova chncenietzsche

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