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Se você se preocupa em saber quais histórias são verdadeiras e quais são ficção, lembre-se de que a história muda conforme aquele que a conta, pois todas elas sempre carregam algo de verdadeiro e muito da fantasia do escritor. Afinal, neste mundo das redes sociais, mesmo quando pretendemos estar contando a verdade sobre nós, redigimos uma ficção.

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A isca

 


“Não sei quanto tempo mais eu vou ter de ficar circulando para lá e para cá, sentada neste banco de metrô, feito isca. O chefe me falou que eu pareço com as vítimas desse maluco: cabelo longo e preso num rabo de cavalo, roupa recatada, cara séria. Não sei se vai ser assim tão fácil pegar ele sem fazer nada, só ficando à espera de que ele caia na armadilha. Mas pelo menos, aqui sentada, eu fico em paz, não tem nenhum colega me dando cantada, nem o Antônio querendo que eu trabalhe de doméstica para ele. Aquele incapaz! Será que a mãe dele não o ensinou nem a fritar um ovo? Quando eu o conheci, eu até achava engraçadinha essa mania dele me querer por perto o tempo todo. Mas agora, depois de cinco anos de casada, eu já não aguento mais. Não tem nenhum amor nisso, é só vontade de ter uma escrava trabalhando para ele”.

 

“Nossa, nem chegou a hora do pico, e o metrô já está insuportável. Dia desses eu ainda dou ordem de prisão a um desses espertinhos que aproveita quando o vagão está cheio para ficar bolinando a gente. Nem no carro das mulheres, a gente fica livre deles. Mesmo eu, vestida com essas roupas sérias que o pastor disse que a gente deve usar. O Antônio diz que eu pareço uma freira. Mas imagina se eu andasse vestida que nem as piranhas dele e cheia de perfume! Ele agora deu para dizer que foi enganado por mim, que eu só queria me casar. Que depois disso, eu engordei, fiquei velha, e que eu não cuido direito da casa. Que só penso nas minhas unhas. Ontem ele até me disse que, no dia em que ele me largar, eu não vou achar mais ninguém que me queira”.

 

- Josias para Anelise, câmbio

- Na escuta, câmbio

- Alguma novidade? Câmbio

- Nada de novo. Câmbio

- Ok, recebido. Cambio e desligo.

 

“Enquanto isso, deixa eu me distrair um pouco, que a vida é curta. Essa @nailsbymairin é o máximo. Se eu conseguisse decorar minhas unhas que nem ela, eu seria feliz. Imagina o sucesso que eu ia fazer.  Mas deixa de sonhar de olhos abertos, Anelise, e volta pra vigilância. Olha, aquele ali, que gato! E tá me olhando! Devem ser por causa das minhas unhas. Ah, se o Antônio me visse agora!“

 

- Josias para Anelise, câmbio

- Na escuta, câmbio

- O suspeito foi visto entrando no metrô. Achamos que ele pode estar no seu vagão, câmbio.

- Copiado, Josias. Mas aqui está tudo sob controle, câmbio.

- Copiado, Anelise. Câmbio e desligo.

 

“Meu pai dizia que eu era burra e sem-graça. Que os homens só iam mesmo querer tirar vantagem de mim e depois me largar. Falava que eu tive sorte por Antônio querer se casar comigo. Mas burra eu não devo ser, pois, na polícia, meus colegas copiam o meu relatório e depois saem dizendo que foi obra deles, sem mostrar o menor sinal de vergonha por isso. Outro dia, meu chefe até elogiou o meu trabalho, disse que graças a mim é que os últimos crimes foram desvendados. Mas na hora de promover, ele acaba sempre promovendo meus colegas homens. Depois vem com aquela história de que os homens têm prioridade, afinal são pais de família...Ih, continua me olhando, aquele lá. Nossa, ele nem pisca. Ah, Antônio, eu queria tanto que tu visses isto”.

 

- Josias para Ane...

- Ei, que falta de educação é essa? Você me deu uma cotovelada no rosto! Não vai nem ao menos pedir desculpas?

 

“Se esse aí soubesse que eu sou policial, ele teria mais educação. Ih, acho que o ponto de escuta voou quando ele bateu em mim. Não estou vendo ele caído em nenhum lugar. Acho melhor suspender esse trabalho de campo e voltar para a delegacia. Se algo der errado, não tem como eu pedir ajuda. Vou aproveitar que a próxima estação já é a Central, e descer. O Josias deve estar lá. Olha só, o bonitão está vindo na minha direção! Ah, se um cara bacana assim me desse bola...eu largava o Antônio na hora. Esse aí só pode ser gente boa, assim tão bem apessoado”. 

 

- Bom dia. Você está bem? Eu vi que aquele rapaz bateu no seu rosto sem querer. Você precisa de ajuda?

- Não, tudo bem. Foi superficial. O máximo que pode acontecer é aparecer uma mancha roxa.

- Eu estava reparando em você ali sentada. Suas unhas são muito lindas.

- Muito obrigada, eu também gosto muito delas. Foram feitas pela minha manicure.

- Você vai descer aqui na estação Central? Posso te acompanhar? Uma moça assim tão bonita e recatada precisa ser protegida dos malucos que andam por aí.

 

...

 

- Josias, a Anelise ainda não voltou? Já está tarde. A missão já devia ter sido concluída.

- Chefe, eu não sei o que aconteceu. Ela deveria estar no vagão do metrô em que embarcou o suspeito. Porém, quando o metrô chegou na Central eu olhei dentro do vagão e não vi nenhum dos dois. Mas como era hora de pico, eu posso não ter visto ela sair pela outra porta. Depois disso, eu não tive mais notícias. Acho que ela tirou o ponto de escuta do ouvido. Vá saber o que ela pode ter feito... Esse negócio de ter policial mulher na corporação foi uma má ideia. São cheias de privilégio, reclamam das brincadeiras, desatam a chorar por qualquer besteira, mas na hora de trabalhar a gente não pode confiar nelas. Essa daí, nem de isca a gente pode usar!

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Tags: operação policialpsicopatacrime no metrô

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