Bilhete Premiado
Eu passeava pacientemente com a minha cachorra, que vinha cheirando cada milímetro quadrado das calçadas do bairro, quando uma jovem de rosto angelical, roupas muito simples e ar tímido se aproximou de mim para pedir informações.
- Bom dia, a senhora sabe me informar onde fica a rua Casemiro Maia? Eu estou procurando uma loja de produtos naturais. Me disseram que fica aqui pertinho.
- Bom dia. Não conheço a rua, nem sei de loja de produtos naturais por aqui. Porque você não consulta no Google?
- Meu celular está com a bateria descarregada. Mas me disseram que a rua fica aqui perto. Eu vim buscar um prêmio que ganhei em um sorteio de Natal.
Enquanto falava, ela me olhava com ar desprotegido e insistente, como se eu não estivesse me esforçando o suficiente para me lembrar da rua. Meio sem graça, eu tive de admitir: “Poxa, que pena! Mas eu não sei onde fica esta rua”.
Eu nem bem tinha acabado de falar e ela já abordava um outro passante. “Bom dia, o senhor poderia me dizer onde fica a rua Casemiro Maia?”, ela perguntou para o rapaz que passava por nós e, se virando para mim, acrescentou “É que duas cabeças sempre pensam melhor do que uma, não é mesmo?”. Ele olhou para nós duas sorridente, e respondeu “Sinto muito. Não conheço essa rua”.
Foi então que eu reparei que se aproximava de nós um conhecido meu que também estava passeando com o seu cão. Havia pouco, eu tinha trocado com ele duas ou três destas banalidades que os donos de cães conversam quando se encontram. Imbuída do espírito de boa samaritana, desta vez fui eu quem tomou a iniciativa de perguntar a ele se sabia onde ficava a rua Casemiro Maia. O cão dele aproveitou o momento de hesitação do dono para se aproximar da minha cachorra e em pouco tempo a confusão estava armada. Enquanto nós dois tentávamos separar os cães, em meio a latidos e rosnados, apareceu um outro rapaz pedindo informações ao meu conhecido. De repente estávamos todos no meio de um entrevero: dois cães, dois perdidos e dois informantes inúteis! O dono do outro cão rapidamente dispensou o rapaz que lhe pedia informações e ambos foram embora sem se despedir. A mocinha de ar ingênuo voltara a ter a nossa completa atenção.
- Eu ganhei uma máquina overlock da Singer em um sorteio de Natal promovido pela farmácia que vende os remédios naturais tomados pela minha mãe diabética. Como nós moramos no interior, toda vez que vínhamos à capital, meu pai aproveitava para ir à farmácia comprar os remédios de minha mãe. Mas desde que meu pai morreu, sou eu que tenho de ir até a farmácia. Desta vez pretendo receber a máquina de costura que nós ganhamos no sorteio de Natal, mas não sei se o farmacêutico vai entregá-la, pois eu demorei muito tempo para vir buscar o prêmio.
- Ah que pena!
“Mas você não sabe o nome da farmácia? Eu posso olhar para você aqui no Google”, disse o rapaz enquanto tirava o smartphone do bolso. E, ao ver a moça abrir a bolsa em busca do cupom do sorteio, ele acrescentou, paternal: “Cuidado, não deixe os outros verem o seu dinheiro quando abrir a bolsa. Você pode ser assaltada!”.
- Olha só, é esse cupom.
- Mas isto não é um cupom de sorteio de farmácia! Isto é um bilhete de jogo na Sena.
- É, eu sei. É que eu fui pagar uma conta de luz na lotérica e o funcionário me deu este bilhete como troco. No dia que eu fui à farmácia com minha mãe, eu pedi ajuda ao farmacêutico para conferir os resultados do sorteio da Sena. Ele me disse então que eu tinha ganhado ambos os sorteios e que, no dia que eu viesse receber a máquina Overlock, ele me pagaria oito mil reais pelo bilhete da Sena. Deste modo, eu não precisaria ir até a agência do banco, pois ela é muito fora de mão. Ele também me disse que no dia em que eu viesse receber os prêmios, eu deveria vir sozinha, sem a minha mãe.
“Hum, mas que estranho”, nós dois comentamos. E ela acrescentou com o olhar inocente “Pois é. Eu também achei meio estranho, mas como o senhor da farmácia já era idoso, eu achei que não havia perigo.”
- Ah, mas você não pode ir lá sozinha. Isso é muito arriscado!
Subitamente, ela apoiou o dedinho indicador no lábio inferior e disse pensativa: “Então eu poderia ir à lotérica receber o prêmio da Sena antes de ir à farmácia buscar minha Overlock. Vocês sabem onde fica a lotérica mais próxima.
- Eu não sei, mas acho melhor você ir direto à Caixa Econômica, eu disse, cheia de bom senso.
“Além disso, a lotérica somente paga prêmios de até R$1500,00. Se o seu prêmio é de R$8000,00, você não vai conseguir receber. Realmente é melhor ir à Caixa. Deixa eu dar uma olhadinha no seu bilhete para ver se o prêmio realmente é de R$8000,00”, disse o rapaz. Ela então entregou o bilhete para ele, que conferiu no Google um a um os números jogados com o resultado daquele sorteio. “Realmente você ganhou. Você fez a Quina! ”, e ele mostrou a tela do celular para mim.
- Sinto muito, eu não consigo enxergar, pois estou sem óculos.
- Ela acertou os cinco números e o prêmio da Quina neste jogo não era de R$8000,00, mas sim de R$1.5000.000,00. Olha só! E ele me mostrou a tela do smartphone novamente. Para receber o prêmio, você vai ter de ir à agência central da CEF, que fica lá no Centro da cidade.
- Ah, mas isso é muito difícil para mim! Vocês me acompanham?
“Vamos?”, me disse o rapaz.
“Ah, sinto muito. Eu não tenho carro”, eu respondi e comecei a dar meia volta para voltar para casa.
“Não tem problema, eu tenho carro e levo vocês. Ele está na rua aqui ao lado. Venham comigo”, ele respondeu, enquanto ambos viravam o corpo e começavam a mover-se na direção apontada por ele. Como eu tinha ficado parada, apenas observando os dois, a mocinha insistiu mais uma vez: “Por favor, vem comigo. Eu tenho medo de ir sozinha e ser enganada. Eu dou R$50.000,00 para cada um se vocês me ajudarem”.
“Não, obrigada”, respondi. “Desejo boa sorte para vocês”, e puxando minha cachorra me afastei rapidamente em direção à minha casa. Após dar dez passos, me virei para trás e vi que a moça já tinha ido embora, caminhando na direção oposta à minha, enquanto o rapaz tinha ficado parado no mesmo lugar, olhando com ar frustrado ela se afastar.
Com certeza ambos já estavam à procura de uma nova vítima. E eu, embora estivesse surpresa pelo fato de ainda haver gente que aplicava o golpe do bilhete premiado, voltava feliz para casa por ter uma nova história para contar.
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