Às Portas do Paraíso
“Nada como ter uma irmã que não acredita em pix, e que vive estocando dinheiro para sobreviver caso haja uma bancarrota do sistema bancário. Mas estocar dinheiro na gaveta das calcinhas! Francamente...nada poderia ser mais perfeito no dia de hoje. Às vezes eu até acho que ela faz de propósito para eu achar. Não, não, não é possível. Eu, que já fui um homem poderoso e respeitado, juiz da 7ª Vara Cível da Comarca de Nova Iguaçu. Era doutor pra cá, doutor pra lá. As mocinhas todas me sorriam, bons tempos aqueles. Vivia com a carteira cheia, salário gordo, gratificações. Agora, nem eu acredito quando me vejo no espelho: rosto emaciado, cabelo mal cortado, barba por fazer. E ela ainda reclama que eu passo o dia inteiro de pijama! Mas me vestir para que? Nem mesmo administrar meu dinheiro me deixam. Estou reduzido depois de velho a um ladrãozinho mixuruca de gavetas. Hum, maninha, mixuruca nada. Dessa vez vai dar pra fazer uma festa de luxo com esse butim!”
“Marinalva, sua tonta! Esqueceu de novo da chave na fechadura? Você está cansada de saber que tem de esconder as chaves da porta da rua. O dr. Antônio Victor não deixa passar nenhuma chance, você sabe disso. Olha aí, escapou de novo! Ai meu Deus, onde será que ele foi parar? Não sei que tanta necessidade de ir pra rua é essa. Tenho medo de que um dia ele se perca e a gente tenha de ir dar queixa na polícia. Já pensou que vergonha?”
“Não se preocupe, não, dona Glória. Daqui a pouco ligam da rua avisando que encontraram ele. É sempre assim”. Não sei por que esta bruxa não deixa o coitado em paz. Tá ruim da cabeça, mas o resto ainda funciona! Deus me perdoe, mas eu até que acho bom quando ele cai na libertinagem. Depois fica um bocado de tempo tranquilo e obediente, sem querer se engraçar comigo. Como será que ele faz para descobrir o endereço delas? Cada vez é uma mocinha diferente... Será que essas vadias não têm mãe, não tem quem lhes dê educação e moral? Eu posso ser empregada doméstica, mas faço do meu suor sangue para que minha filha seja alguém nessa vida.
“dr. Antônio, quanto tempo! Que honra receber sua visita! Estava com saudades da sua velha amiga? Vem cá, meu querido, entra que hoje eu vou te dar um tratamento de rei. Lembra todas aquelas tardes de luxúria que você vinha passar comigo e ao final acabava me passando sermão, seu safado? Dizendo que eu tinha de pensar no meu futuro, que eu tinha jeito para convencer qualquer cliente a fazer o que eu queria e que tinha que tomar proveito disso? Pois nessa sexta-feira agora será minha festa de formatura na PUC. A mais nova advogada do pedaço! Tudo graças aos seus conselhos e ao dinheiro ganho aqui no meu cafofo da rua Princesa Isabel. Será que você poderia me indicar para cargo de assistente jurídico no escritório de advocacia de um amigo seu? Você sabe que eu sempre quis deixar essa vida e me tornar uma mulher respeitável... Vem cá, não precisa responder agora não. Você tem todo o tempo do mundo pra pensar enquanto eu te dou um trato.”
“Alô! Sim, é dona Glória que está falando. Sim, a irmã dele. Como? Ele está na sua casa? A senhora pode colocar ele em um taxi e fornecer o nosso endereço para o motorista? Ah, ele não quer voltar para casa? A senhorita pode chamar o dr. Antônio Victor ao telefone para eu poder falar com ele? Tá dormindo, sei. Poderia acordar ele?” “Marinalva, ele disse que não quer voltar pra casa, que ele está no paraíso. Acho que nós vamos ter de ir lá buscar ele. Lá, no paraíso. Bota aquela tua saia de crente e pega a Bíblia para impor respeito; sabe lá Deus onde nós vamos parar.”
“Dona Glória, me dá a mão aqui que eu lhe ajudo a descer do taxi. Mas que lugar é esse tão pertinho dos hotéis de luxo da Av. Atlântica? Cruzes, quando o pastor fala em Paraíso eu nunca imagino uma coisa dessas. Essa bateção de porta, esse entra e sai de gente. Todas essas mocinhas de roupa indecente e cara de criança desfilando por aí sem pudor. Olha ali, acho que o apartamento é aquele. A senhora pode deixar que eu falo com a moça. Onde já se viu uma dama como a senhora num lugar desses. Já escuto alguém vindo abrir a porta.”
“Minha filha!”