A Redescoberta do Éden - uma morte mal explicada (cap. 4)
Este é o quarto capítulo de "A Redescoberta do Éden". Para ler o primeiro capítulo, clique aqui.
No período em que Paloma ficou no Rio de Janeiro investigando sobre a vida de seus tios avós, a mãe dela continuou o trabalho de separar os objetos da vó Bruna que valia à pena conservar dos que seriam descartados, trabalho este que estava sendo feito por Paloma antes de partir para o Rio. Durante este processo de triagem, ela achou uma cartinha de Ana Clara para sua mãe e sua irmã Bruna:
“Bruna e mamãe, estou enviando com esta cartinha algum dinheiro e as passagens aéreas para que vocês duas possam vir ao Rio sem depender da ajuda do pai. Hoje em dia eu não moro mais naquela casa em Sta. Tereza, ela está vazia. Moro no apartamento que o tio Tonico me deixou de herança. Aqueles primeiros anos logo após a volta de vocês duas para a fazenda foram muito difíceis: após o assassinato de Arthur em uma briga de bar, o tio Tonico entrou em depressão e passou a beber muito. Ele sentia muitas saudades de vocês e sempre se culpou por não conseguir evitar que o pai arrastasse vocês duas para viver na fazenda novamente. Eu e Josefa já arrumamos tudo por aqui, a casa está limpa e cheirosa e finalmente vocês vão poder reencontrar o Nanico.
P.S.1: Aurora, a amiga com quem eu moro, está ansiosa para conhecer vocês.
P.S.2: Josefa não cabe em si de tanta alegria!
P.S.3: Nanico cresceu um bocado desde a última vez em que vocês o pegaram no colo. Não tragam roupas de presente para ele!”
- Mãe, porque tu não me contaste antes esta história da família antes de eu partir para o Rio? Porque sempre houve tanto mistério na família a respeito de Ana Clara, Arthur e tio Tonico? Eu nunca soube que nós tínhamos parentes morando no Rio!
- Minha, filha, eu só soube desta história porque achei esta carta toda amassada e até mesmo meio rasgada entre as coisas de minha mãe na semana passada. Eu sempre achei que meus dois tios tinham morrido quando eram crianças. Minha mãe nunca falava neles. Mas tu não tinhas uma carta para me entregar? Aquela que tu encontraste em cima da mesa lá na casa de Sta. Tereza, junto à foto de Ana Clara usando uma enceradeira para dar lustro na mesa
- É esta aqui. Tenho até medo quando penso no que podemos descobrir nesta carta!
“Fui ao aeroporto esperar vocês no horário marcado para a chegada do voo. Vi todos os passageiros saírem pelo portão de desembarque e encontrarem suas famílias, amigos e amores. Eles trocaram os beijos e abraços com que sonho desde o dia em que vocês partiram. Ainda fiquei um longo tempo lá pelo aeroporto, acreditando que um milagre poderia acontecer. Mas vocês não chegaram.
Espero que estejam bem e tenham conseguido remarcar os bilhetes para amanhã neste mesmo horário. Esperarei vocês todos os dias da próxima semana se necessário for. Não quero que cheguem sem que haja alguém conhecido no aeroporto para recebê-las, pois o Rio pode ser amedrontador para quem vive confinado em uma fazenda. Estou deixando este bilhete sobre a mesa para que vocês encontrem caso haja algum novo desencontro entre nós. Um grande beijo. Ana Clara.”
- Qual é a data desta carta, mãe?
- Ela é de 15.01.1964. Meu Deus, eu não tinha reparado antes nessa data! Este foi o ano em que minha avó morreu. Espera um pouquinho que eu vou procurar a certidão de óbito dela. Hummm ... achei! Aqui diz que ela morreu devido a um traumatismo cranioencefálico decorrente de acidente doméstico no dia 13.01.1964.
- Que estranho! Deixa eu fazer uma pesquisa na internet para ver o que encontro nas Notas de Falecimento do jornal lá de Tupanciretã. Espera só um pouquinho... Achei! Aqui diz que ela morreu devido a uma queda no banheiro de casa. Tem até uma elegia fúnebre escrita pelo marido dela para homenageá-la: “Mãe amantíssima e esposa zelosa, você estará eternamente na lembrança de sua filha e esposo.”
- Queda no banheiro? Dois dias antes da viagem? E porque será que a carta que elas receberam de Ana Clara está com um canto rasgado. E essa mancha aqui no canto...parece até uma mancha de sangue! Pelo jeito, a mãe da vó Bruna morreu e a filha dela não pode viajar. Mas porque ninguém avisou a Ana Clara do que tinha acontecido? Bastaria telefonar... Você achou algum outro diário perdido pela casa?
- Não.
- Então acho que vamos ter de conversar com a dna. Marli, a melhor amiga dela, para ver se conseguimos descobrir mais alguma coisa
Dois dias mais tarde:
- Ah, minha querida, que história mais triste você está me contando! Tua avó e a mãe dela foram proibidas pelo pai dela de se comunicarem com os irmãos que ficaram lá no Rio. Nem que elas quisessem, elas poderiam pois o único telefone da casa ficava no escritório fechado à chave. Além disso, elas quase não saíam de casa. Como tua avó nunca mais falou com a irmã dela depois que voltou a morar na fazenda, ela não soube que a Ana Clara não tinha sido avisada da morte da mãe.
- A vó Bruna nunca falou para a senhora sobre a morte da mãe dela, dna. Marli?
- Tua avó não gostava de falar destas coisas, mas pela cara dela eu sempre achei que tinha uma história mal-contada que todos faziam questão de esconder. Ninguém em Tupaciretã acreditou muito naquela história de queda no banheiro, pois o pai de Bruna era conhecido por ser um homem agressivo e destemperado. Ela me disse certa vez que, quando soube da morte da mãe, ela teve uma crise nervosa e o médico a colocou para dormir por uma semana sob efeito de sedativos. Uma espécie de sonoterapia. Ela achava que o médico tinha feito isso para apaziguar os ânimos dentro de casa, pois ela e o pai tinham discutido. Com base nas histórias que ela me contava, acho que teu bisavô foi ficando mais desequilibrado à medida que o tempo passava. Pelo jeito, ele e tua avó discutiram feio após a morte da mãe dela.
- Mas porque será que ela não ligou para a irmã depois que o pai dela morreu? Ele morreu apenas cinco anos após a morte da mulher dele.
- Teu bisavô pode ter sido violento com a mulher e os filhos mais velhos, mas ele era louco pela filha caçula. A Bruna era a única com quem ele era carinhoso e gostava de conversar. Porém, ele sempre falava muito mal da Ana Clara. Dizia que ela tinha escolhido se afastar da família, que ela não ligava para a felicidade e o bem-estar da mãe e da irmã, e que tinha um comportamento escandaloso lá no Rio... Acho que o afastamento das irmãs foi decorrência de uma fidelidade da Bruna aos sentimentos do pai.
- Se nesta família houvesse mais diálogo, eu teria mais parentes. Mas pelo menos ainda há tempo de a gente se aproximar do Nanico. Depois do Carnaval eu voltarei ao Rio com minha mãe para a gente conhecer ele melhor.
- Vai sim, minha filha. Aproveita esta segunda chance que o destino está dando para vocês. Nunca se sabe quando ele pode trocar de idéia...
(Para saber a história de Nanico, por favor leia o conto "O sonho do Rei Momo" )
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