A redescoberta do Éden - a investigação de Paloma
Após um longo dia de trabalho na casa de sua avó, Paloma voltou para casa cheia de diários, álbuns de fotografia e documentos. Desde que sua avó morrera, ela havia começado a separar as coisas que valiam à pena conservar daquelas que seriam jogadas fora ou doadas. O trabalho parecia não ter fim. “Como é possível guardar tantas coisas em um apartamento tão pequeno?”, é o que ela não parava de se perguntar. Dentro do Closet e do armário da sala, Paloma encontrou vestígios de um outro mundo, totalmente desconhecido para ela até então, do qual nunca ninguém havia falado antes. Ela sabia que em sua família havia mistérios, pois seguidamente a conversa dos mais velhos morria subitamente, asfixiada por silêncios e situações constrangedoras, que desaguavam em dias sem fim em que sua avó mal deixava a cama, deprimida. Mas o que ela descobriu nestes dias de triagem foi algo totalmente inesperado.
- A vó Bruna tinha um apartamento no Rio de Janeiro, mãe?
- Acho que não. Ela viveu lá uns anos quando era mais moça, mas desde que ela tinha quinze anos ela nunca mais voltou ao Rio.
- Mas olha só! Aqui tem uma conta de luz do mês passado no nome dela, com endereço lá do Rio. Está paga, inclusive. Deixa eu dar uma olhadinha no Google maps. Humm. Esta rua fica em Santa Tereza, ali no centro do Rio.
- Pelo jeito nunca venderam a casa onde ela morou quando era pequena. Você achou alguma chave perdida por aí?
- Achei um chaveiro com um bondinho pendurado. Mês que vem eu devo ir ao Rio a trabalho. Quem sabe eu visito este endereço para saber se alguém mora lá? Pode ficar tranquila que eu vou ficar te mandando e-mails para te manter a par dos acontecimentos.
Dia 1
Mãe, demorei um pouco até conseguir abrir a porta pois ela estava bastante emperrada. A casa está bem conservada, toda pintada e com o telhado em bom estado. Mas a vizinha disse que nunca viu ninguém morando aqui nas últimas décadas. Ela apenas via um pedreiro, que vinha de tempos em tempos para fazer a manutenção da casa. Quando abri a porta, parecia que eu tinha feito uma viagem no tempo. Todos os móveis são em jacarandá, entalhados, grandes e pesados. Os colchões são de crina. Dentro dos armários há jogos completos de taças de cristal, de talheres de prata e de louça. Mas o fogão é à lenha, e a geladeira é uma caixa de isopor forrada de alumínio, sem motor. Tudo está coberto por uma camada grossa de poeira. Parece que os donos saíram de casa com a intenção de voltar logo em seguida.
Dia 2
Resolvi ficar uns dias a mais aqui no Rio para elucidar este mistério. Mas como as diárias de hotel no Rio custam uma fortuna, decidi dormir por aqui mesmo, pois tem luz funcionando e a água não foi cortada. Chamei a faxineira do vizinho para limpar a casa e comprei algumas coisas para poder tomar o café da manhã em casa. Nestes dias em que ficarei hospedada aqui, vou aproveitar para vasculhar as gavetas e armários e ver o que descubro. Depois te conto as novidades.
Dia 3
A primeira noite foi difícil. Na hora de tomar o banho, eu descobri que teria de acender uma chama em um recipiente com álcool que fica no alto do chuveiro. A chama que se forma envolve uma serpentina de cobre por onde a água circula e aquece. Se tudo desse certo, eu tomaria um banho quente. Mas se algo desse errado, eu poderia terminar com os meus cabelos queimados! Preferi tomar banho frio. Depois que apaguei todas as luzes e me deitei, comecei a ouvir uns barulhos estranhos pela casa. Parecia que tinha alguém arrastando os chinelos lá para os lados da cozinha. Acho que a casa é mal-assombrada, mãe! Chamei um padre para vir benzer o lugar.
Dia 4
Hoje veio um eletricista instalar um chuveiro elétrico e trocar os lustres do quarto onde estou dormindo e da cozinha. Agora esta casa parece um lugar habitável. O padre veio aqui em casa tomar o café da manhã comigo logo após a missa das 8h. Logo que ele começou a benzer a casa, houve um pé de vento que derrubou no chão um dos livros que estava na estante. Porém, como todas as janelas estavam fechadas, eu fiquei apavorada olhando o padre com os olhos arregalados, sem entender o que tinha acontecido. Mas ele parecia já estar acostumado a este tipo de coisa e me fez sinal para ficar calma. Quando fui apanhar o livro caído no chão, reparei que era o diário da vó de quando ela era adolescente, todo escrito com uma letra caprichada, cheio de desenhos nas margens e flores secas prensadas entre as páginas. Na página em que o diário estava aberto, ela comentava sobre a chegada no Rio de janeiro e o deslumbramento deles com a beleza natural da cidade. Esta noite, eu vou aproveitar para ler o diário antes de dormir.
Dia 5
Eu não escutei mais os sons de passos pela casa na noite passada, mas não fechei os olhos nem por um minuto: a leitura do diário da vó estava tão emocionante que eu não consegui largar o diário antes de chegar ao fim. Hoje, logo após a missa das oito, o padre veio novamente aqui em casa. Ele queria saber como eu tinha passado a noite e me trouxe uns santinhos para prender atrás das portas.
Lendo o diário, eu descobri que a vó, os irmãos e a mãe dela abandonaram o pai na fazenda e vieram morar no Rio. Eles vieram acompanhados do tio Tonico, que era quem pagava as contas, e da criada Josefa. O pai ficou aí no Sul, cuidando da fazenda. Ele somente vinha visitar a família uma vez por ano, em março, após a colheita, e não ficava mais do que uma semana. No diário, ela dizia que todos melhoraram de saúde e de humor quando vieram para o Rio. A vó comenta que foi nesta época que ela viu sua mãe sorrir pela primeira vez na vida.
Logo após a chegada deles no Rio, sua mãe parecia alguém que se recupera de uma doença longa e extenuante. No início ela estava muito pálida e magra, e se sobressaltava a cada pequeno ruído. Passado um tempo, ela voltou a tocar violino e pintar aquarelas, coisas que ela já não fazia há muito tempo, e até engordou um pouquinho. A vó disse que se sentiu verdadeiramente em casa o dia em que entrou na sala atraída pela voz de sua mãe, que cantarolava “Vingança”, acompanhando o show de Linda Batista no rádio, sob o olhar divertido de seu irmão Tonico.
Que estranho, mãe! Parece que todo mundo era infeliz quando morava na fazenda. Mas quando eles chegaram ao Rio, foi como se tivessem descoberto o Paraíso na terra!
(Fim do primeiro capítulo. Esta história tem continuação)
Voltar