A Morte Radiante dos Crentes
Em 1898, apenas dois anos após a descoberta da radioatividade, os físicos Marie e Pierre Curie conseguiram identificar os elementos responsáveis pela radioatividade presentes no mineral Pechblenda - o Rádio e o Polônio. O resultado da pesquisa realizada por eles chamou a atenção do público que acompanhava fascinado as novas descobertas da ciência. Os norte-americanos e europeus logo começaram a imaginar múltiplos usos para os minerais radioativos, especialmente voltados para a manutenção da saúde e da beleza.
No início do século XX, se dizia na mídia que “o rádio é aceito pelo corpo humano como a luz solar pelas plantas”. Ele era considerado o elemento que dava vigor à água, sendo tão necessário quanto o hidrogênio e o oxigênio. Fazia com que pessoas doentes se sentissem bem e evitava que novas doenças fossem contraídas. Deste modo, iniciou-se um frenesi pelo consumo de águas enriquecidas com Rádio através do uso de talhas e filtros que continham este elemento.
Além disto, uma linha variada de produtos de beleza contendo Rádio prometia revitalizar e rejuvenescer a pele, compressas e almofadas radioativas foram lançadas para o tratamento da artrite, asma, bronquite e insônia, e um supositório prometia combater a impotência sexual. Para a sorte dos consumidores, muitos destes produtos eram fraudados e não continham os elementos radioativos citados na publicidade.
Porém já em 1903, um artigo de Thomas Edison continha críticas contra o culto ao Rádio e à “infame radioatividade”, falando dos efeitos colaterais indesejados. Logo após a Primeira Guerra Mundial, em que houve um boom do uso de exames de raios-X como suporte para a realização de cirurgias em feridos de guerra, começaram a ser conhecidos inúmeros relatos de problemas decorrentes da radiação, incluindo casos de úlceras e câncer de pele.
Em 1929, o caso da morte do empresário Eben Mayers causou escândalo na mídia. Ele havia se contundido realizando atividades esportivas. Durante o tratamento, seu fisioterapeuta havia recomendado que ele consumisse Radithor, um drink radioativo, para acelerar a recuperação. Essa bebida era descrita pela propaganda da época como “Puro raio de sol engarrafado”. Porém, mesmo curado, o sr. Mayers continuou consumindo duas a três garrafas desta bebida ao dia nos anos seguintes. Como consequência, ele passou a sentir fortíssimas dores de cabeça e seus ossos e dentes começaram a se degenerar, o que culminou com a extração de sua maxila. Ele acabou morrendo devido a envenenamento por Rádio e teve de ser enterrado em um caixão de chumbo. Quando este caso vazou na mídia, foram retiradas todas as patentes de produtos contendo Rádio.
A contaminação por Rádio, contudo, não se restringia à parcela desinformada da população. Mesmo a pesquisadora Marie Curie, fascinada pela sua própria descoberta, passava a maior parte do dia com um frasco de solução radioativa fluorescente em seu bolso, de onde emanava “um clarão azul-esverdeado tênue como uma luz de fada”, como ela mesma descrevia. Além disto, o processo de refinamento de grandes volumes de minerais radioativos fez com que seu laboratório e seus cadernos com anotações de pesquisa ficassem fortemente contaminados. Seu laboratório hoje está interditado e seus cadernos deverão ficar guardados em caixas de chumbo por 1500 anos. Quanto à pesquisadora, ela morreu em 1934 de anemia aplásica em decorrência da sua exposição à radiação, e seu corpo teve de ser colocado em um sarcófago de chumbo.
Apenas 30 anos após a descoberta da radioatividade já se conheciam os perigos a ela associados. Este assunto já havia sido discutido em congressos internacionais de radiologia, e os sais de rádio já haviam sido retirados da farmacopeia norte-americana.
Apesar de todas as evidências do efeito nocivo da radiação para a saúde divulgados nas décadas anteriores, o governo norte-americano não mediria esforços na corrida armamentista no período da Guerra Fria. Após o sucesso do uso de bombas nucleares no fim da IIWW, o governo americano decidiu incentivar a pesquisa e a mineração de urânio por civis nos anos 1950 para que suas bombas nucleares utilizassem elementos radioativos beneficiados a partir de minérios extraídos do solo americano. Desta forma, não haveria o perigo de haver corte no fornecimento do minério devido à intervenção russa, como era o caso do minério extraído nas minas do Congo, que até então vinha sendo utilizado pelos EUA.
A cartilha que o governo distribuiu a todos os interessados em se juntar à corrida pelo urânio não fazia nenhuma alusão aos problemas de saúde devido ao contato com minérios radioativos, pelo contrário. A cartilha “Prospecting for Uranium” continha 162 páginas com informações básicas sobre a pesquisa e a mineração de Urânio, porém, apesar de detalhar em uma página e meia todos os cuidados que deveriam ser tomados para proteger o contador Geiger de possíveis danos, apresenta apenas um parágrafo sobre a possibilidade de a prospecção de urânio causar danos à saúde, situado na seção Questions Frequently Asked:
Questão: A prospecção de minerais radioativos é perigosa?
Resposta: A prospecção de minerais radioativos não é mais perigosa do que a prospecção de outros minerais. A radioatividade contida nas rochas não pode ser perigosa para os humanos, a menos que ela esteja em contato com a pele por longos períodos.
Apesar da crescente conscientização de que o trabalho nas minas de urânio estava associado a altas taxas de câncer de pulmão e outros danos à saúde, a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos ignorou os resultados de pesquisas e insistiu que a mineração do urânio fosse regulamentada. Como consequência da falta de divulgação de informações e de leis adequadas, muitos mineradores foram seriamente contaminados por radioatividade. Os índios Navajos e os mineradores de classes desprivilegiadas foram especialmente afetados devido à falta de equipamento de proteção.
Apesar das atitudes imprudentes de empresários gananciosos e de entidades governamentais, o uso dos minerais radioativos prosperou e hoje tem um papel importante na geração de energia e no tratamento de doenças terminais, como o câncer.
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